STARTUPS

Startup brasileira leva IA para previsão de risco climático

Modelo da MeteoIA antecipa riscos e ajuda empresas a se proteger dos impactos das mudanças climáticas; Motiva (ex-CCR) e Natura já são clientes

Startup brasileira leva IA para previsão de risco climático

A startup MeteoIA desenvolveu uma tecnologia que usa inteligência artificial para prever as oscilações do clima e permitir que empresas e instituições se preparem para os riscos climáticos. Chamado MIA, o sistema de modelagem é o primeiro desse tipo a chegar às prateleiras do mercado.

O uso de computadores para projeções climáticas não é novidade. O diferencial está na aplicação da IA, que proporciona alta resolução, mais rapidez e menor custo. O sistema foi desenvolvido por Thomas Martin e Gabriel Perez, que fundaram a startup em 2018, e pode ser utilizado em diferentes setores, desde agronegócio e energia a transporte e seguros.

O impacto econômico das mudanças climáticas foi um dos pontos de partida da MeteoIA. “O país inteiro está sujeito ao impacto climático. Quando o clima não está bom, não produz. A gente então viu que a IA poderia trazer várias soluções para diferentes setores”, afirma Martin.

Primeiro a MeteoIA mapeia como o clima afeta as operações do cliente. Essa informação é somada a análises de séries históricas e outros dados atmosféricos relevantes para o desenvolvimento de modelos personalizados. Segundo Martin, o sistema da startup é capaz de identificar cenários futuros com até um ano de antecedência.

Se, por exemplo, a produção de soja depende da chuva, a MeteoIA usa dados de produção agrícola e precipitação para treinar o modelo. Com a previsão de longo prazo, produtores podem tomar decisões antes do início da próxima estiagem. 

Secas extremas, alagamentos e ondas de calor têm impactado diretamente diversos setores da economia e repercutido no PIB do país. Em 2024, a produção agrícola encolheu 3,2% devido à escassez de chuvas, enquanto o aumento nas temperaturas coincidiu com a alta no consumo de energia, impulsionando o setor a um crescimento de 3,6% em relação ao ano anterior, segundo o IBGE.

Um dos clientes da startup é a Motiva (ex-CCR), gigante do setor de logística e transportes, com concessões de rodovias, trilhos e aeroportos em 13 Estados. Com relatórios anuais fornecidos pela MeteoIA, a companhia passou a planejar obras de manutenção com mais precisão e a adiar intervenções quando há risco previsto. 

Os dados também são usados para traçar orçamentos, estimar crescimento do mercado e avaliar novas aquisições. A variável climática passou a ser considerada, inclusive, na participação da empresa em novos leilões. O serviço é aplicado em todas as operações atuais e está em fase de implementação nas recém-arrematadas CCR PRVias, no Paraná, e CCR Sorocabana, em São Paulo. 

“A MeteoIA trouxe um conhecimento que nós e o mundo não tínhamos: o uso da inteligência artificial para prever o clima. Já vemos uma menor percepção de risco nos nossos ativos em comparação com outros players do setor”, afirma Miguel Dau, diretor de segurança corporativa e resiliência empresarial da Motiva.

Martin explica que o MIA consegue manter estabilidade nas previsões de longo prazo, diferente de modelos numéricos tradicionais (sem o uso de IA), que perdem acurácia após algumas semanas.

Além disso, o sistema consome menos energia e recursos naturais. Ele roda em um computador com cerca de 200 processadores. “É uma infraestrutura muito menor que as usadas para treinar grandes modelos de IA”, diz o empreendedor. Após a construção, os modelos são hospedados na nuvem, com a infraestrutura da norte-americana DigitalOcean.

Outro diferencial de negócio são as previsões hiperlocais. Um projeto-piloto está em desenvolvimento com a Natura para monitorar riscos climáticos em áreas da Amazônia, onde a empresa atua com 46 comunidades e mantém 2,2 milhões de hectares preservados, segundo dados próprios. Ele faz parte da agenda de transição e justiça climática da companhia.

A MeteoIA usa para sua inteligência uma combinação de dados públicos e informações fornecidas pelos próprios clientes. As principais fontes abertas de informação incluem o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a Agência Nacional de Águas (ANA), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e bases internacionais como o NOAA, a NASA e o centro europeu ECMWF. 

Como a ciência virou negócio

Martin e Perez se conheceram dentro do ambiente acadêmico da USP, em 2017. Na época, Martin cursava doutorado e desenvolvia aplicação de IA em simulações climáticas de alta resolução no Brasil, e Perez utilizava IA para prever chuvas a curto prazo. 

As pesquisas da dupla motivaram a criação da startup, ligando o conhecimento ao negócio. “Eu não acho que vamos salvar o planeta apenas com tecnologia. Hoje existe uma dimensão de radicalismo, especialmente entre algumas startups, que defendem investir todos os recursos nela, acreditando nisso. Acreditamos que a inteligência artificial oferece vantagens importantes para apoiar decisões mais conscientes”, defende Martin. “Mas é preciso seguir pesquisando.”

Para ele, estar na fronteira da ciência com a aplicação concreta das soluções é um enorme diferencial competitivo. “Precisamos que elas funcionem na prática, e é isso que garante nossa sustentabilidade e capacidade de continuar inovando.”

Aberta com um capital de R$ 2 milhões da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a MeteoIA se prepara para uma rodada de investimentos série A entre o fim deste ano e o início de 2026. Com o novo aporte, ela pretende ampliar sua presença comercial nos setores em que já atua: agronegócio, energia, infraestrutura, varejo e seguros. 

A startup também mira o setor público. Por conta de seu sistema flexível, os sócios acreditam que a MeteoIA pode apoiar governos a identificar e prevenir riscos em diferentes frentes, como monitoramento de reservatórios e gestão de riscos climáticos urbanos.

Um dos projetos em andamento é o Qualaria, voltado para o monitoramento da qualidade do ar por meio de sensores de baixo custo. Ainda sem clientes fechados, a iniciativa tem como público-alvo o poder público e já é usado pela MeteoIA para aprimorar o MIA Risk. Em São Paulo, a proposta está sendo avaliada pela Secretaria de Mudanças Climáticas da Prefeitura de São Paulo (Seclima), que informou que o projeto ainda passará por análises técnicas, jurídicas e documentais, sem previsão de formalização de contrato.

Com a possibilidade da expansão dos negócios, a estrutura da startup já aumentou. No último ano o time dobrou de 15 para 30 profissionais. A previsão é repetir esse crescimento até o fim de 2025, com a ambição de colaborar para reduzir a dependência do Brasil de soluções meteorológicas estrangeiras. 

Grande parte das ferramentas usadas nas ciências atmosféricas, como satélites e modelos numéricos, são produzidas e desenvolvidas por países da Europa e os Estados Unidos. “A IA tem um papel importante ao indicar previsões com muito menos custo computacional do que os modelos numéricos tradicionais. Isso abre caminho para que países como o Brasil tenham soberania nas ciências atmosféricas e fiquem menos suscetíveis a mudanças políticas”, afirma Martin.