OPINIÃO

Como a IA pode ajudar no fluxo de capital sustentável para o Brasil

Financiadores têm dificuldades para avaliar riscos e oportunidades com dados e informações socioambientais relevantes dispersos e fragmentados 

Como a IA pode ajudar no fluxo de capital sustentável para o Brasil

Diante da urgência global em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, as finanças sustentáveis consolidam-se como um dos pilares estratégicos para o direcionamento eficiente dos volumes expressivos de capital exigidos pela transição para uma economia de baixo carbono. 

Contudo, os fluxos efetivos de investimento – sobretudo em economias emergentes como o Brasil – ainda correspondem a uma fração modesta do montante necessário. Essa lacuna reforça a necessidade de, entre outras frentes, desenvolver soluções tecnológicas que contribuam para ampliar a escala, a eficiência e o impacto dos investimentos sustentáveis.

Diversos fatores – macroeconômicos, microeconômicos, políticos e tecnológicos –  restringem o fluxo de capital sustentável no Brasil. Entre eles, destaca-se a limitação, e frequentemente a fragmentação, do acesso a dados ambientais, sociais e de governança (ESG) relevantes para a avaliação de riscos e oportunidades por parte de financiadores e investidores. 

Mesmo quando disponíveis, essas informações estão dispersas entre relatórios corporativos, bases públicas, pesquisas acadêmicas, dispositivos de Internet das Coisas (IoT), imagens de satélite, entre outras fontes – muitas vezes em formatos heterogêneos e pouco estruturados.

Essa multiplicidade compromete a padronização e a comparabilidade das análises, dificultando a mensuração de impactos, o cálculo de retornos ajustados ao risco e a construção de benchmarks confiáveis. O artigo Sustainable Finance with AI (2024) aponta que algoritmos de aprendizado de máquina e técnicas de processamento de linguagem natural podem agregar valor ao processar essas informações dispersas, identificar padrões e apoiar decisões mais precisas de alocação de capital.

Outro eixo promissor é a convergência da inteligência artificial com tecnologias complementares, como blockchain e dispositivos conectados à Internet das Coisas (IoT). Contratos inteligentes, por exemplo, permitem a liberação automática de recursos financeiros condicionada ao cumprimento de metas socioambientais previamente estabelecidas – conferindo rastreabilidade, transparência e segurança às operações. Sensores e imagens de satélite viabilizam o monitoramento em tempo real de iniciativas de mitigação e adaptação climática. 

O artigo Assessing Physical Climate Risks: An AI-Powered Tool for Businesses (2024) ilustra como essas ferramentas tornam possível transformar grandes volumes de dados não estruturados em análises robustas de riscos físicos e impactos efetivos.

Além disso, plataformas digitais equipadas com IA podem simplificar a triagem e validação de informações, facilitando o acesso ao crédito por pequenos empreendedores e comunidades historicamente excluídas dos circuitos financeiros formais. Essa dinâmica contribui para a construção de um modelo de crescimento mais equitativo, resiliente e inclusivo.

Nesse contexto, a inteligência artificial tem se consolidado como uma ferramenta essencial na evolução das análises ESG, viabilizando avaliações mais transparentes sobre riscos e oportunidades sustentáveis. Provedores globais de dados, como MSCI, Sustainalytics, Bloomberg, Refinitiv e ISS ESG, incorporaram algoritmos avançados de aprendizado de máquina para processar e interpretar grandes volumes de informações ambientais, sociais e de governança.

Essas tecnologias permitem que investidores identifiquem padrões e tendências emergentes com maior confiabilidade, reduzindo incertezas e melhorando a eficiência da alocação de capital em projetos sustentáveis.

No Brasil, o Banco Central vem desenvolvendo medidas inovadoras para ampliar a inclusão financeira. Um exemplo interessante é o desenvolvimento de tecnologias de pagamentos offline – que viabilizam transações mesmo sem conexão à internet. Projetos piloto – como os que estão sendo testados pelo Banco do Brasil em parceria com especialistas do setor de tecnologia – buscam aplicar essa solução ao uso da moeda digital brasileira (Drex), sobretudo em regiões com infraestrutura limitada. 

Quando somada a iniciativas já consolidadas, como o Pix por aproximação, essa abordagem demonstra o potencial transformador da interseção entre inovação digital e inclusão social.

Convergência 

A integração entre inteligência artificial, blockchain e computação em nuvem representa uma nova fronteira para o setor financeiro. Além de automatizar processos operacionais e reduzir custos, essa convergência fortalece a transparência e a rastreabilidade das operações, elementos centrais para o avanço das finanças sustentáveis. 

Trata-se não apenas de atender a requisitos regulatórios crescentes, mas de catalisar o avanço da transição para uma economia de baixo carbono – um movimento que posicionaria o Brasil e o mundo rumo a uma nova era de responsabilidade e competitividade.

No entanto, esse avanço não deve ser interpretado como uma terceirização da análise de risco ESG para algoritmos. Ao contrário, exige o fortalecimento das capacidades analíticas dos profissionais envolvidos, a fim de assegurar que as inferências geradas por dados reflitam com fidelidade as complexidades e nuances do mundo real.

A aplicação da inteligência artificial para ampliação das finanças sustentáveis exige uma postura ativa diante dos desafios ambientais e sociais contemporâneos. Ao integrar dados de fontes múltiplas, automatizar análises e promover o monitoramento contínuo, o setor financeiro amplia seu alcance e eficiência, mas também democratiza o acesso ao crédito sustentável e contribui para uma cultura de inclusão social e justiça ambiental.

*Regina Sales Magalhães tem mestrado e doutorado em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo e educação executiva em Transformação Digital pelo MIT. Trabalhou em grandes multinacionais na América Latina e na International Finance Corporation, além de ter atuado como consultora em negócios e sustentabilidade para empresas de diversos setores. 

Annelise Vendramini é especialista em finanças sustentáveis. Professora da EAESP e coordenadora de pesquisas em finanças sustentáveis no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, contribui para que empresas e o mercado financeiro integrem a sustentabilidade às estratégias de negócios. Participa ativamente do debate internacional sobre financiamento climático e, com mais de 25 anos de trajetória profissional, é palestrante reconhecida e autora de diversos estudos sobre o tema. Doutora e mestre em Administração pela Universidade de São Paulo (USP), possui certificação CFA ESG Investing.