COP

Na indústria pesada brasileira, o ‘mutirão’ climático já começou

Lançado na COP28, Acelerador da Transição Industrial apoia 11 projetos de descarbonização de setores altamente poluentes

Alto-forno de siderúrgica

A tônica das mensagens oficiais da presidência da COP30 tem sido consistente: sabemos o que temos de fazer, é hora da ação. Diplomatas negociam acordos, mas a parte prática em grande medida depende de um esforço coletivo de toda a sociedade. Como diz o embaixador André Corrêa do Lago, o presidente da conferência, precisamos de um “mutirão” pelo clima.

Uma iniciativa lançada na COP28 e que tem no Brasil seu principal expoente serve de exemplo prático do que seria esse espírito de colaboração no caso do setor privado: o Acelerador da Transição Industrial (ITA, na sigla em inglês).

A ideia é que o ITA seja uma espécie de facilitador, unindo pontas soltas para descarbonizar setores da economia ou atividades em que é especialmente difícil cortar os gases de efeito estufa.

O programa está ajudando 11 projetos no país a atingir a decisão final de investimento, ou seja, o “ok” final para que possam ir adiante. O número de sinais verdes será a medida do sucesso do ITA.

Os empreendimentos incluem a produção de combustível sustentável de aviação (SAF) feito de macaúba, uma fábrica de fertilizantes de baixas emissões à base de hidrogênio verde e planos para transformar o setor de cimento.

Se todos saírem do papel, os aportes totais serão de pelo menos US$ 17,5 bilhões. Ainda não foi batido o martelo para nenhum deles ainda, a expectativa do ITA é fazer o primeiro anúncio até a COP30, que acontece entre 10 e 22 de novembro em Belém.

“O bom do ITA é que ele é uma iniciativa voltada para a implementação, e o ótimo é que trazemos exemplos concretos”, diz ao Reset o português Marc Moutinho, responsável pela entidade no país.

“Queremos criar modelos que possam ser replicados em outros contextos.”

Empurrão

Todos os projetos apoiados já buscam investidores e potenciais clientes por conta própria. A missão do ITA é “dar uma força”, por assim dizer.

“Uma das formas de apoio é tentar ligar esses projetos a financiadores. Atuamos para que eles sejam incluídos na Brazil Investment Platform [lançada pelo governo brasileiro para fazer essa ponte entre empreendimentos e capital estrangeiro], por exemplo”, afirma Moutinho.

Como em muitos casos as empresas são novas, com uma tecnologia ainda sem escala comercial e sem um mercado estabelecido, obter crédito não é tão simples.

Além disso, as alternativas de baixo carbono vão custar mais caro, pelo menos inicialmente – um exemplo é o SAF, cujo preço é três ou quatro vezes mais alto que o do querosene de aviação tradicional.

Fertilizante de baixas emissões

Também existem desafios particulares de certas indústrias. Moutinho aponta o setor de fertilizantes. O ITA anunciou no ano passado o apoio a uma fábrica de adubos verdes que a suíça Atlas Agro quer construir em Uberaba (MG).

Uma parcela significativa do impacto climático da agricultura vem do uso de fertilizantes nitrogenados. Eles são produzidos com hidrogênio obtido de combustíveis fósseis, tipicamente o gás natural.

O plano da Atlas Agro é trocar esse insumo sujo por um hidrogênio de baixa emissão. A ideia é ter um complexo integrado, que inclua a produção do gás. O investimento estimado é de R$ 5 bilhões.

“Mas o fertilizante que eles vão produzir será uma commodity, vendida em um mercado em que o preço é definido pelo produto ‘cinza’”, diz Moutinho, em referência ao hidrogênio extraído de fósseis.

Existe grande volatilidade nos preços dos nitrogenados. “Quando estiverem altos, beleza, a produção no Brasil é viável. Mas e quando o preço do fertilizante cinza cair?”

Financiamento para a transição

Moutinho afirma que o projeto da Atlas Agro tornou-se uma espécie de “estudo de caso” para entender como garantir estabilidade de receita para que esses projetos atraiam os investidores.

Ele menciona a importância dos offtakers, ou os compradores. O termo é muito ouvido quando se fala de novos produtos verdes. Mas Moutinho usa outra palavra inesperada: seguro.

“Você poderia desenvolver um seguro para apoiar os projetos financeiramente nos momentos em que os preços estão abaixo do que eles precisam. Seria como um fundo, repago quando os preços estiverem altos.”

O ITA está tentando unir todas as pontas para tentar viabilizar um eventual arranjo complexo e inovador desse tipo. “É um exemplo específico, mas acho que ajuda a entender como procuramos soluções.”
 

Tecnologia limpa

Em termos de complexidade e inovação, o exemplo da Atlas Agro está num extremo do tipo de apoio que o ITA pode oferecer. Há outros mais simples, que atacam problemas pontuais do processo produtivo.

Um deles é da Votorantim Cimentos, que planeja retomar a produção de argila calcinada no Mato Grosso. Este insumo pode substituir o clínquer, o grande vilão climático do setor. O projeto pode reduzir em 16% as emissões do cimento.

Esse leque amplo indica o grau de ambição do ITA e também a enormidade do desafio da descarbonização. Inovações de ponta e projetos bilionários recebem mais atenção, mas existem outros esforços menos glamourosos igualmente importantes.

“O cimento é interessante porque não tem uma bala de prata para descarbonizar o setor. Será um conjunto de alavancas ou medidas. E é difícil implementar todas de uma vez”, afirma Moutinho. “O plano é colocar as fábricas em direção à neutralidade no longo prazo.”

Made in Brazil

O ITA tem um olhar global para cada tonelada de carbono que deixará de ser lançada na atmosfera. O cimento com menos emissões será consumido por aqui, mas alguns dos projetos apoiados buscam mercados internacionais.

Moutinho afirma que, além de potencialmente abrir novas frentes de exportação, os projetos também podem impulsionar uma indústria local em bases mais sustentáveis.

O Brasil foi o primeiro país a formalmente aderir e colaborar com o ITA, por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic). Depois vieram Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito. Todos são economias com potencial de “esverdear” indústrias pesadas usando energias de fontes renováveis.

Mais que isso, diz Moutinho, a questão é pragmática. “É importante descarbonizar a indústria dos países desenvolvidos, vamos dizer, mas se o crescimento industrial acontecer nos países em desenvolvimento e for feito da maneira de sempre, não resolve o problema.”

Prazo de validade

A iniciativa foi lançada em dezembro de 2023 pela presidência da COP28, que aconteceu em Dubai, em conjunto com a Convenção do Clima da ONU (a UNFCCC) e a Bloomberg Philantropies.

O projeto tem um prazo definido: as atividades estão previstas até o fim de 2026. Mas nada impede que outros apoiadores decidam manter o ITA funcionando além dessa data.“Se conseguirmos demonstrar que a nossa abordagem ajuda a criar resultados, realmente ajuda a viabilizar os projetos, então pode ser que outros atores estejam interessados em prolongar ou até expandir as operações ou a abordagem do ITA para outros países.”