
* Atualizado às 14h25 com uma correção: o Vietnã foi classificado como país de baixo risco, não risco padrão.
A União Europeia publicou em 22 de maio a lista de classificação de risco de países no âmbito do Regulamento sobre Produtos Livres de Desmatamento (ou EUDR). A EUDR é uma regulação com efeitos extraterritoriais significativos, com potencial para reordenar fluxos de exportação, afetar preços e redesenhar preferências de compra em cadeias globais de commodities como a borracha, cacau, café, carne, madeira e soja. Com a entrada em vigor em 30 de dezembro de 2025, as empresas têm pouco tempo para se adequar.
A EUDR proíbe a entrada no mercado europeu de produtos que tenham sido produzidos em áreas desmatadas ou degradadas após 31 de dezembro de 2020. Ela exige que as empresas importadoras comprovem, por meio de um processo de due diligence, que os produtos são “livres de desmatamento” e em conformidade com a legislação relevante do país de origem, como direitos trabalhistas, direitos humanos e regras anticorrupção.
A classificação de risco publicada pela Comissão Europeia divide os países em três categorias: risco baixo, risco padrão e risco alto. O Brasil foi incluído na categoria de risco padrão, ao lado de vizinhos como Argentina, Colômbia e Peru, africanos como Costa do Marfim, Gana e Nigéria, e asiáticos como Indonésia e Malásia.
Todos os europeus, além de Austrália e Canadá, foram classificados como de baixo risco. Embora a classificação não implique, por si só, nenhuma sanção e não se configure como a pior das possibilidades, ela tem consequências jurídicas e comerciais relevantes.
Burocracia extra
Do ponto de vista regulatório, os operadores europeus que importarem produtos de países classificados como de risco padrão serão obrigados a implementar a due diligence completa como condição de entrada e comercialização na União Europeia. Isso exige a coleta de informações detalhadas e documentos que as comprovem, inclusive geolocalização precisa das áreas de produção.
Produtos originários de países de risco baixo estão sujeitos a um processo de due diligence simplificado, o que reduz custos operacionais e riscos legais para os importadores europeus.
Já os países de risco padrão e de risco alto estão sujeitos a uma camada adicional e obrigatória de controle: uma análise de risco específica de cada carga importada e, se necessário, a adoção de medidas de mitigação.
Diante de duas opções similares, o comprador europeu tenderá a preferir aquele fornecedor que gera menos risco regulatório e menor carga burocrática. É claro que ser de risco alto seria um estigma ainda pior, mas as consequências operacionais são mínimas. O processo de due diligence é o mesmo para risco alto e padrão — o que varia é apenas o percentual de carga fiscalizada. Enquanto os produtos oriundos de um país de risco alto são fiscalizados em um percentual de 9%, os de risco padrão têm um percentual de 3%.
Brasil em desvantagem?
A classificação de risco tem um peso comercial estratégico, já que a EUDR cria uma clara vantagem competitiva para os países de menor risco. E o Brasil está em desvantagem frente a concorrentes importantes em diversas cadeias de exportação.
No setor de carne, o Uruguai, a Austrália e a Nova Zelândia foram classificados como países de baixo risco. No setor florestal, com peso nas exportações de madeira, papel e celulose, Canadá e Chile estão entre os países com vantagem competitiva. No mercado do café, o impacto também é preocupante: o Vietnã, segundo maior exportador para a UE, foi classificado como país de baixo risco.
A Costa Rica também entrou na mesma categoria. Embora não seja um exportador com volumes comparáveis aos do Brasil, o país disputa nichos premium, de alto valor agregado. Já no setor da soja, os Estados Unidos foram classificados como de risco baixo, o que pode afetar a competitividade do Brasil.
Ainda que a nova regra permita a classificação regionalizada dos países, até o momento todos, o Brasil inclusive, foram avaliados apenas em nível nacional. Isso representa uma perda de oportunidade regulatória.
Classificações regionais
Diversas regiões produtoras brasileiras têm um alto nível de conformidade ambiental, de acordo com a metodologia aplicada pela Comissão Europeia e portanto têm grandes chances de serem elegíveis à classificação como de baixo risco. Permanecer placidamente na categoria de risco padrão é renunciar a uma vantagem competitiva relevante.
É imprescindível um esforço proativo e coordenado do governo federal, dos Estados interessados e da própria iniciativa privada para buscar uma classificação regional diferenciada.
Parece que existe uma reticência a este debate da regionalização pautada no medo de se criar regiões produtoras segregadas. Certas regiões exportadoras para a União Europeia seriam beneficiadas, e outras, colocadas à margem. Apesar de um receio compreensível, esta realidade está posta. Essa segregação já foi feita, aprovada e agora está sendo aplicada.
Não creio que o melhor caminho seja impedir que partes do país se beneficiem da classificação de baixo risco apenas para não se criar indisposições internas. Se o medo é de um remanejamento de produção dentro do território, a grande questão é que essa dinâmica está para acontecer em escala global: não se trata de o Estado A ou B serem os grandes exportadores, mas sim outro país.
Há muito pouco espaço político para mudanças estruturais, para além de um interesse de alguns países da Europa, como a Alemanha, de simplificar ainda mais as obrigações para chamados países de “risco nulo”. Mas é compreensível e bem-vindo o empenho do governo na construção de um diálogo político contínuo na busca para ajustar partes da EUDR e tentar reduzir o desequilíbrio competitivo que a estrutura atual pode trazer.
Ninguém questiona a necessidade de proteção e combate ao desmatamento. O desafio está em saber qual a forma mais eficaz de proteção e inseri-la em uma dinâmica de mercado complexa e com características muito distintas dentre as commodities afetadas.
Pragmatismo
A meu ver, a EUDR ainda está longe de ser a estrutura de proteção mais eficiente. Tenho minhas críticas à forma com que o regulamento foi pensado e sua estrutura de boicote, e me questiono onde está o engajamento para solucionar os reais problemas do desmatamento; como ficam os pequenos produtores sem recursos para responder à montanha de documentos e informações?
Mas temos que ter clareza de que se trata de uma discussão teórica. Tem sua importância e seu espaço, mas com uma velocidade reduzida e de eficiência incerta. De hoje até dezembro, para a ponta da cadeia produtora até o exportador, a questão é muito mais pragmática.
O debate precisa ir além de resistência ou críticas à regulação e focar em pontos estratégicos: quais regiões podem ser reconhecidas como de risco baixo? Que dados e instrumentos são necessários para comprovar a conformidade? Como dialogar com os importadores europeus para manter o acesso a mercados essenciais?
Negligenciar essas questões pode levar à perda de mercado para outro países, com consequências não apenas para os grandes exportadores, mas para o setor agropecuário como um todo – e a economia brasileira.