
A Circular Brain, startup que criou um sistema inovador para unir fabricantes com o mundo da reciclagem de eletrônicos, recebeu um aporte de R$ 20 milhões da Lorene Urban Mining, especializada na extração de metais de placas e baterias.
Essa chegada estratégica permitiu a saída dos investidores anjos da empresa, a Barn Investimentos e a BR Angels, com um retorno de 600% – eles investiram R$ 3 milhões há três anos.
A sociedade com a Lorene, com uma posição minoritária, garante também uma parceria operacional que vai apoiar um novo ciclo de expansão da Circular Brain – já falam até na possibilidade de fusão e IPO no futuro. A startup “processou” 55 mil toneladas de resíduos eletrônicos em 2024 e prevê superar os 100 mil este ano, dobrando, assim, o faturamento para acima de R$ 100 milhões.
Essa é, ainda, uma fração pequena dos cerca de 2 milhões de toneladas de lixo eletrônico que o Brasil produz todos os anos. Do descarte de geladeira a celulares, apenas 3% são coletados e reciclados. Aço, alumínio e até ouro vão parar no lixo comum. Com uma cadeia totalmente fragmentada, os desafios de conectar os milhares de recicladores aos fabricantes é enorme.
Mas o negócio da Circular Brain é a informação, não a reciclagem dos eletrônicos em si. Ela criou um sistema digital que conecta toda a cadeia: centros de coleta, transportadores, os responsáveis pela desmontagem e, por fim, as chamadas recicladoras.
A plataforma documenta a gestão de resíduos eletroeletrônicos: recolhe os documentos que certificam quanto os recicladores recolheram e o que foi revendido. Essas informações são reunidas e transformadas numa espécie de crédito que é então vendido aos fabricantes para que comprovem sua adequação às exigências da lei.
Eles são obrigados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos a garantir o descarte correto de equipamentos antigos. As metas estabelecidas pela norma começaram em 1% da produção em 2021 e vão chegar a 17% em 2025. Os negócios da Circular Brain, então, crescem pelo menos na mesma proporção da exigência.
É dos contratos com fabricantes como a Whirlpool (fabricante da Brastemp e Consul) que vem a receita da Circular Brain. Alguns clientes cumprem a legislação ao plugar os seus centros de coleta e serviços de recolhimento domiciliar à plataforma da startup.
Os planos são de que a parceria com a Lorene aumente a eficiência da operação e o volume de material processado. “Hoje eu não ponho a mão em um quilo de material. Na cadeia tem alguém que coleta, alguém que processa. Com a Lorene, garantimos uma capacidade operacional adicional significativa ao sistema”, afirma Marcus Oliveira, CEO e fundador da Circular Brain.
A plataforma da Brain funciona como ferramenta de gestão e é oferecida gratuitamente para as empresas de reciclagem de eletrônicos. Ela garante a emissão de notas fiscais e emite documentos federais exigidos para transporte de resíduos, levando à formalização de empreendedores, muitas vezes de porte pequeno e médio.
Ganha-ganha
Na parceria operacional, a Lorene terá acesso ao sistema digital da Circular Brain. Com isso, poderá prospectar contratos com outros fornecedores que trabalham com a desmontagem, o elo intermediário da cadeia.
Chamados pela Circular Brain de operadores, esses empreendimentos recebem os produtos eletrônicos dos pontos de coleta, fazem a triagem e separam os materiais por tipo e características, em lotes padronizados.
De lá saem caçambas com aço, plástico, alumínio e produtos complexos que precisarão ainda de tratamento químico, como baterias e placas eletrônicos. A Lorene é especialista em fazer esse processo.
Hoje a empresa tem cerca desses 20 centros que fazem a triagem numa rede própria, recebendo de 1.500 pontos. Ao entrar no sistema da Circular Brain, poderá ter contato com outros 50 centros de processamento.
Nos últimos cinco anos, a Lorene recuperou cerca de 7,2 mil toneladas de cobre, 16 toneladas de prata e 4 toneladas de ouro a partir da reciclagem de eletroeletrônicos.
Desde 2023 a empresa tem a tecnologia para processamento de baterias de lítio. Além do mineral, também extrai delas o cobalto, níquel e alumínio. Todos considerados minerais estratégicos para viabilizar a transição energética para uma economia de baixo carbono.
Já para a Circular Brain, os operadores da Lorene que vão passar a integrar a plataforma vão aumentar a capacidade de triagem da cadeia que a startup desenvolveu. A Lorene tem ainda uma frota de cerca de 200 veículos, o que reforçará a oferta de logística disponível.
Com o fortalecimento da rede, a ideia é diminuir sobreposições no elo de triagem e ter ganhos de eficiência no sistema logístico, promovendo a consolidação.
Na avaliação de Oliveira, a entrada da Lorene como sócia pode ser vista como uma “avalista” ao negócio, contribuindo internamente para debates estratégicos e avanços das operações para a América Latina. Além do Brasil, a Lorene tem operações no Chile, Colômbia, Japão e Israel.
Para o longo prazo, Lorene e Circular Brain avaliam novos serviços. Uma frente em estudo é a oferta de rastreabilidade de materiais aos fabricantes de novos eletrônicos.
“Como conseguimos rastrear cada lote após a triagem e saber de qual produto ele veio, temos uma série de dados sob gestão. Se a gente começar a vincular isso depois à matéria-prima, poderemos mapear qual é o ciclo de vida dos novos eletrônicos e o quão circular eles são”, afirma Oliveira.
Além das frentes de inovação e expansão na América Latina, a empresa ainda quer fechar o cerco ao descarte irregular e à informalidade na reciclagem de eletrônicos. O desafio é grande. Juntas, Lorene e Circular Brain processam um volume que é de apenas 5% do lixo eletrônico do Brasil.