
Os créditos de carbono da gestora de aterros sanitários Orizon têm agora um reconhecimento de mercado que o CEO Milton Pilão vê como um divisor de águas. Pela primeira vez, a empresa fechou negócio com uma big tech americana. Serão 750 mil créditos entregues ao Google entre 2027 e 2029.
O acordo vai viabilizar investimentos para transformar um aterro em Cuiabá (MT) em “ecoparque”, nome das instalações em que o metano produzido pelo lixo é capturado. Hoje, o gás gerado por lá escapa para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.
Na visão de Milton Pilão, a venda é um diferencial porque o nome Google é emblemático e traz uma percepção de confiança, algo crucial no mercado voluntário de carbono. “É como dar uma estrelinha” aos créditos gerados pela companhia, nas palavras do CEO, algo que pode atrair outros grandes compradores internacionais.
A big tech americana busca atingir emissões líquidas zero até 2030. Para isso tem adquirido grandes volumes de créditos – só em 2024, foram investidos US$ 100 milhões.
As emissões do Google e dos outros gigantes do Vale do Silício vêm crescendo de forma dramática com a ascensão da inteligência artificial – os data centers por trás da nova tecnologia consomem enormes quantidades de eletricidade, muitas vezes de origem suja.
O Google tem interesse particular nos créditos gerados por atividades que evitam o lançamento de gases super poluentes na atmosfera, como o metano emitido em aterros sanitários. O metano é um dos mais potentes causadores do efeito estufa.
Rampa de preço
Para Pilão, a força do nome do cliente não é o único diferencial do acordo. A garantia de receita futura dá conforto para a companhia fazer o investimento na unidade de Mato Grosso, e o contrato inclui um dispositivo que prevê reajustes no preço de venda ano a ano, independentemente da inflação.
Para o CEO, o Google topou esse dispositivo de rampa no preço porque há perspectiva de valorização dos créditos de carbono no Brasil. A expectativa é que alguns tipos de créditos sejam negociados dentro do mercado regulado. Ainda não se sabe quais deles serão admitidos nem quando o mercado começa a operar.
A Orizon não revelou os valores fechados, mas disse que estão acima dos US$ 7 que obtém em média para cada crédito vendido.
Hoje, a Orizon é responsável por 11% dos resíduos coletados e destinados a aterros no Brasil, percentual que a companhia almeja aumentar com a consolidação do mercado brasileiro. De 2023 para 2024, o volume de resíduos tratados cresceu de 8,3 milhões de toneladas para 8,7 milhões. São 40 milhões de pessoas atendidas. Outros grandes nomes do setor são Ciclus, Solví e Estre.
A companhia faz dinheiro principalmente com contratos com prefeituras para recebimento de resíduos urbanos, mas outras linhas de receita têm crescido, incluindo a geração de créditos de carbono. Dos 17 aterros da Orizon pelo Brasil, 7 geram créditos. Com o apoio do Google às instalações de Cuiabá, serão 8.
A avaliação do comando da empresa é que os créditos foram atrativos para o Google porque tem características catalíticas, termo usado para projetos que “impulsionam” agendas.
“Eles entendem como catalítico o que a Orizon está fazendo e como um exemplo para outros países. Transformar lixões em aterros sanitários, que depois se transformam em ecoparques. Gerar energia renovável, biometano e outros subprodutos”, afirma Milton Pilão.
As 750 mil unidades acordadas compõem a maior parte de um novo pacote de 1 milhão de toneladas de carbono adquirido pelo Google. Todo este volume envolve gases super poluentes, como metano e hidrofluorcarbonetos.
Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser lançada na atmosfera ou foi capturada. No caso de outros gases de efeito estufa, é feita uma conversão para o equivalente em CO2.
Negociação rápida
A aproximação entre Orizon e Google contou com ajuda da Cool Effect, organização sem fins lucrativos que intermedia compradores e desenvolvedores de créditos de alta integridade.
“Lembro muito bem. Estava num jantar, comecei a falar e o pessoal da Cool Effect pegou uns caderninhos. Do nada disseram que tinham uma oportunidade. Depois disso foi tudo muito rápido”, diz Paulo Laguardia, superintendente de operações ambientais da Orizon.
Segundo a Cool Effect, um dos pontos que mais chamou atenção no projeto da Orizon, ajudando a classificá-lo para o interesse do Google, foi a capacidade de geração de créditos do aterro. Ela soma 1 milhão de toneladas de carbono equivalente até 2030. A organização também afirma que a expertise da companhia contribuiu.
Laguardia tem sido responsável por explorar mercados para os créditos da Orizon nos últimos meses, liderando uma espécie de equipe comercial. Essa nova estratégia, na visão do CEO Milton Pilão, é ainda mais relevante no mercado voluntário porque os potenciais clientes buscam créditos de desenvolvedores que têm características que eles valorizam.
Os compradores do mercado voluntário são empresas que decidem compensar suas emissões por iniciativa própria, ou seja, não são obrigadas a fazê-lo por legislação nem têm de participar dos chamados mercados regulados.
Enquanto Milton Pilão oferecia a entrevista ao Reset na sede da empresa, em São Paulo (SP), Paulo Laguardia participava via videochamada da Suécia. Ele tinha acabado de visitar uma empresa do país europeu interessada também em comprar créditos da Orizon.
Em 2024 foram gerados 3,5 milhões de créditos de carbono pela empresa, dos quais 1,9 milhão foram vendidos.
Metano que vira dinheiro
Aterros sanitários tradicionais são um problema porque o metano tem potencial de aquecer a atmosfera 28 vezes mais que o CO2 no longo prazo. No curto prazo, esse impacto é ainda maior. Outras fontes relevantes estão na agropecuária e na indústria de petróleo.
Nos aterros, há diferentes caminhos e metodologias que incentivam a geração de créditos para evitar as emissões de metano. Os três principais são: a queima do biogás, que requer menos investimentos, a geração de energia elétrica em pequenas termelétricas também a partir da queima e a purificação dele para a transformação em biometano.
O biometano pode substituir o gás natural fóssil sem necessidade de adaptação em veículos ou equipamentos industriais. Esses negócios, porém, impõem um desafio logístico, pois nem sempre a produção do combustível renovável está próxima do consumo. No Ceará, a GNR Fortaleza conectou sua produção à rede de gasodutos, fornecendo 15% do consumo no estado.
Na carteira
No início de maio, a Orizon anunciou um aumento de capital a partir de um follow-on (oferta secundária de ações) que permitiu a entrada da gestora EB Capital no bloco de acionistas majoritários, onde estão o próprio Milton Pilão e o chairman, Ismar Assaly. A ideia da capitalização foi “abrir espaço no balanço” para que a companhia pudesse fazer ainda mais aquisições de aterros, sem precisar comprometer a alavancagem. A oferta foi considerada um sucesso, atingindo o valor máximo.
“Foi incrível. A gente soltou a capitalização com uma base de R$ 275 milhões. Tivemos que ir até R$ 635 milhões e mesmo assim sobrou um mar de gente para fora”, afirma o CEO.
A valorização nos pregões da Bolsa tem feito a alegria dos investidores da companhia. As ações tiveram alta de 39,6% desde o começo do ano, encerrando o pregão da última sexta-feira (16) a R$ 52,70. Com o contrato com o Google, o CEO vê espaço para ajustes no valuation.
“Os investidores olham para todas as nossas receitas e nunca conseguiram dar peso para o carbono. Eles afirmam que é uma receita sazonal. Agora, com contratos recorrentes e vendas programadas, o analista consegue ponderar isso”, afirma.
Para o executivo, a forte alta dos papéis da companhia no último ano é resultado de “adicionalidades que o investidor não põe na conta”.
Ele cita o “ônus e o bônus” de ser a única empresa do setor com o capital aberto no Brasil, o que dificulta a comparação pelos analistas. Pilão percebe ainda uma diferença de atuação em relação aos investidores internacionais, que seriam mais dispostos a “comprar a tese” porque lá fora há negócios parecidos.
“Hoje, nenhum banco que nos cobre põe o carbono na conta na hora de projetar a receita. Eu posso ser um reclamador eterno ou falar: ‘Tudo bem’. Aí, quando a gente vende crédito, o mercado se surpreende e vê o que deixou de fora da conta.”