Brasília – Uma iniciativa do setor de transportes entregou para o governo federal nesta segunda-feira (12) um plano para reduzir em 68% as suas emissões de gases de efeito estufa previstas em 2050.
Formada por cerca de 50 organizações, a Coalizão para a Descarbonização dos Transportes trabalhou em três objetivos iniciais: (1) a mensuração das emissões atuais e futuras do setor; (2) o mapeamento das alavancas de descarbonização; e (3) a quantificação de impactos para a trajetória de descarbonização.
O trabalho da coalizão começou a partir de uma encomenda da presidência da COP30. O embaixador André Corrêa do Lago pediu a cinco setores da economia para apresentar planos para acelerar sua descarbonização – o de transportes foi o primeiro a entregar suas propostas.
“É o primeiro documento que sai, de uma maneira absolutamente clara, mostrando esse compromisso com o Brasil e a forma brasileira de chegar à sua transição”, disse Corrêa do Lago em evento de entrega do plano dos transportes, em Brasília.
O grupo é liderado pela Motiva (novo nome da CCR), Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e o Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper.
“Esse tipo de coalizão e documento é fundamental para a COP30, mas mais ainda para o nosso Plano Clima”, disse Ana Toni, diretora-executiva da conferência do clima.
A coalizão fez os cálculos de emissões de acordo com a análise “do poço à roda“, ou seja, da extração à queima do combustível nos veículos. Segundo a metodologia, o setor emitiu 260 milhões de toneladas de CO₂ em 2023 no Brasil, o que representa 11% das emissões brutas no país.
Considerando o crescimento do setor, as emissões em 2050 chegariam a 424 milhões de toneladas em um cenário em que nenhuma medida de descarbonização é adotada. O volume corresponderia a um avanço de 63% em relação a 2023.
O documento destaca que, ainda assim, a emissão per capita brasileira do setor em 2050 (1,9 tonelada) estaria bastante abaixo da atual de países desenvolvidos como Estados Unidos (6 toneladas em 2023) e França (2,5 toneladas).
Com as tecnologias disponíveis atuais, o setor avalia que seria possível chegar a 2050 com uma emissão de 137 milhões de toneladas, uma redução de 47% em relação aos níveis atuais, mesmo com o crescimento do setor.
Para isso, a coalizão propõe 90 ações de descarbonização, que demandariam cerca de R$ 600 bilhões em investimentos.
Eletrificação
O plano aponta três dessas ações que concentram mais da metade da redução planejada. “Não são as mais fáceis, mas são as mais impactantes. Os próximos anos serão de implementação”, diz Marina Grossi, presidente do CEBDS.
A principal contribuição vem da ampliação da frota de veículos elétricos e híbridos, com potencial para eliminar 145 milhões de toneladas de gases, considerando que a matriz elétrica brasileira é composta majoritariamente de fontes renováveis.
A premissa neste cenário seria a eletrificação de 50% dos carros de passeio e de 300 mil ônibus até 2050, considerando as tecnologias comercialmente viáveis hoje – o estudo não contabiliza o impacto positivo de caminhões eletrificados, por exemplo.
Para eletrificar a frota em escala, o estudo aponta a necessidade de implementação de infraestrutura de recarga de veículos. A estimativa é que isso demandaria cerca de R$ 40 bilhões em investimentos para instalar entre 990 mil e 1,9 milhão de pontos de abastecimento para atender a demanda da futura frota.
Matriz logística
Ao longo da história, o Brasil investiu em uma matriz de transportes baseada em rodovias. Dada a dimensão do país, o segmento rodoviário responde por 90% das emissões do setor hoje.
A segunda principal contribuição em termos de descarbonização seria a mudança da matriz de transportes de cargas. A coalizão aponta a necessidade de aumento da participação dos modais ferroviários e hidroviários dos atuais 33% para 55% até 2050.
Segundo o estudo, isso tem o potencial para evitar a emissão de 65 milhões de toneladas de gases, na comparação com o cenário de inação.
Mariana Pescatori, ministra dos Portos em exercício, observa que os ativos de portos e aeroportos do país estão nas mãos da iniciativa privada no país, o que exige uma ação coordenada. “Qualquer ação de descarbonização tem que ser de mãos dadas com o setor privado”, afirmou.
Para o segmento ferroviário, a coalizão estima um investimento de R$ 270 bilhões para duplicar sua participação na matriz de transportes, de 16% para 32%. Além da expansão da malha, serão necessários para a adoção de tecnologias mais sustentáveis e eficientes, como hibridização de locomotivas, uso de diesel verde e a adoção de sistemas inteligentes de operação.
Biocombustíveis
A terceira ação com maior contribuição proposta pela coalizão é a ampliação do uso de biocombustíveis em todos os tipos de transporte. O plano indica que o maior uso de etanol, diesel verde, biometano, SAF (combustível de aviação sustentável) e combustíveis sintéticos evitariam a emissão de 45 milhões de toneladas de CO2.
Para alcançar este volume, a demanda por biocombustíveis deve saltar dos atuais 30 bilhões de litros para 55 bilhões até 2050. Isso demandaria R$ 225 bilhões em investimentos verdes para o Brasil, segundo os cálculos da coalizão.
Transporte público
O plano trouxe ações para promover a descarbonização da mobilidade urbana, que responde por 45% das emissões nas cidades. O objetivo é incentivar a expansão do transporte coletivo de passageiros em substituição ao modelo individual motorizado.
O trabalho identificou ações prioritárias em três frentes: (1) evitar grandes deslocamentos com soluções como adensamento urbano e otimização de rotas; (2) estimular meios de transportes mais sustentáveis, como transporte coletivo, bicicletas e metrô; e (3) melhorar a eficiência energética dos serviços, com eletrificação da frota e integração tarifária.
O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) prevê investimentos de R$ 53 bilhões para promover um sistema de mobilidade urbana mais sustentável.
O presidente da COP30 destacou a importância dos planos de ações e a cooperação entre poder público e privado. “A agenda de ação foi inventada para trazer todos aqueles que não podem negociar, mas que são os verdadeiros implementadores daquilo que é assinado nos acordos”, disse se referindo aos entes subnacionais, como setor privado, sociedade civil e a academia.
Veterano das negociações climáticas, deixou um recado: “O maior perigo que há é o país não estar preparado para a reunião internacional e ter que cumprir com decisões que, no fim, o país não sabe se está pronto para cumprir. Nós temos que saber quais são os limites do Brasil, as linhas vermelhas, como agora se diz muito nas negociações”.
* A reportagem viajou a convite da Motiva