
Em um movimento inédito, a presidência da COP30 quer colher exemplos da vida real de combate à mudança do clima. A iniciativa faz parte do “mutirão global” que o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência deste ano, quer desencadear mundialmente.
Essas experiências seriam análogas aos planos nacionais de descarbonização, ou NDCs, um dos pilares do Acordo de Paris. Em sua segunda carta à comunidade internacional, Corrêa do Lago as descreve como mobilizações “de baixo para cima, sem hierarquia”.
As iniciativas serão reunidas em uma plataforma digital que será lançada num evento da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) entre os dias 19 e 23 de maio, na Cidade do Panamá.
Elas guardam uma diferença essencial em relação às NDCs: os planos dos países são baseados em metas futuras; a COP30 quer reunir ações já em curso, em andamento ou em vias de ser implementadas.
“Por exemplo, um grupo de agricultores que adote práticas regenerativas com apoio local; projetos liderados por jovens que instalem painéis solares em comunidades carentes; cidades costeiras que organizem brigadas de restauração de manguezais; empresas de tecnologia que formem coalizões para descarbonizar data centers; comunidades afrodescendentes que criem programas de conscientização climática para cidades.”
O novo documento divulgado pela presidência da COP30 avança no tema da carta inaugural, publicada em março. Nela, Corrêa do Lago apresentou como um dos nortes da conferência de Belém a mobilização de todos os atores que não são formalmente parte das COPs.
Somente governos nacionais têm voz e voto nas conferências do clima. Mas transformar em realidade os compromissos e objetivos firmados pelos diplomatas depende do envolvimento de toda a sociedade, do setor privado a governos regionais, de universidades a ONGs.
“Os governos [nacionais] não podem se considerar os únicos a ter o controle” sobre a implementação do Acordo de Paris, disse o embaixador em evento realizado nesta quarta-feira (7).
O presidente da COP de Belém vem afirmando em entrevistas e declarações públicas que o regime de cooperação internacional no âmbito da ONU precisa se conectar com a realidade diária das pessoas. A ideia da plataforma faz parte deste esforço.
“Todo mundo terá acesso para saber o que está acontecendo numa comunidade na Namíbia e que tem dado certo, ou o que pessoas em lugares com dificuldades extraordinárias estão conseguindo inovações extraordinárias.”
Nova governança
Corrêa do Lago também indica a necessidade de adaptação da governança climática global diante de um desafio climático cada vez mais complexo e imprevisível.
A cooperação internacional “não deve apenas funcionar na realidade de 2025, mas também estar pronta para evoluir e atender às realidades de 2030, 2035 e 2050”, diz a carta.
Mencionando a demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de uma reforma no sistema da ONU, o embaixador escreve que há espaço para inovações no “‘alinhamento’ de atores e esforços hoje dispersos”.
O documento não entra em detalhes, mas sugere uma estrutura nova com o objetivo de obter “resultados exponenciais na implementação climática”.
Esta é uma deficiência do modelo que há 30 anos orienta as negociações internacionais no âmbito das Nações Unidas. As decisões tomadas em COPs dependem de consenso entre quase 200 países, e com raras exceções não existem penalidades em caso de compromissos não-cumpridos.
‘Círculos de sabedoria’
O documento também menciona os quatro “Círculos de Liderança”, grupos temáticos criados pela presidência da COP30.
Um deles reúne os presidentes das conferências do clima realizadas desde a COP21, quando foi criado o Acordo de Paris. O grupo é encabeçado por Laurent Fabius, ex-premiê francês e presidente da COP21.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, é o responsável pelo círculo dos ministros da economia, cuja missão é aconselhar a presidência da COP30 sobre financiamento climático. Representantes do setor privado e da sociedade civil também participam do trabalho.
Povos indígenas, comunidades tradicionais e grupos afrodescendentes integram um círculo coordenado por Sônia Guajajara, a ministra dos Povos Indígenas.
Marina Silva, do Meio Ambiente, é responsável pelo Círculo do Balanço Ético Global, cuja missão é “elevar a consciência global por meio de diálogos inclusivos”. O grupo foi inspirado pelo legado do papa Francisco e por sua encíclica “Laudato si’”, que critica o consumismo e lamenta a crise climática.