OPINIÃO

Investimento de impacto em tempos caóticos – e as implicações para o Brasil

Quando os orçamentos governamentais estão apertados, as empresas sociais estão entre os investimentos que fornecem o maior retorno pelo dinheiro

Investimento de impacto em tempos caóticos – e as implicações para o Brasil

Estamos em tempos voláteis – até mesmo caóticos – agora. Mas os investidores de impacto oferecem uma proposta de valor que transcende a política. Habitação acessível, energia renovável, inclusão financeira e acesso à saúde criam retorno para o investimento enquanto resolvem desafios sociais e ambientais em momentos de aperto fiscal.

O estado do investimento de impacto é incerto, mas esperançoso. E existem algumas tendências importantes que todos devemos prestar atenção.

Globalmente, o capital ainda está fluindo para o investimento de impacto. Mundialmente, os ativos sob gestão são de US$ 1,6 trilhão. Alguns portfólios de impacto contam com ativos substanciais. Uma lista do Financial Times trouxe alguns exemplos, entre eles fundos da Rise, Rise Climate e Evercare Health, do grupo de private equity TPG, que administram cerca de US$ 25 bilhões em capital focado em impacto. 

Gestores de fundos na Europa e nos EUA preveem que podem voar fora do radar e levantar ainda mais capital de impacto em suas próximas rodadas de financiamento. Esse sentimento é reforçado por fundos de impacto que excedem ou atendem às expectativas de retorno.

Nos Estados Unidos, há tração positiva acontecendo em níveis locais. Em janeiro, 24 Estados se comprometeram com o Acordo de Paris, após a retirada federal. Esses Estados estão no caminho certo para atingir a redução de 26% em gases de efeito estufa até o fim de 2025. Tais ações provavelmente levarão a mais atividade no nível da cidade, onde os mercados de impacto doméstico dos EUA estão avançando sem impedimentos.

E há um forte impulso na Ásia. Em janeiro, participei do lançamento do National Partner do GSG Impact na China. O mercado asiático, e particularmente a China, representam economias de alto crescimento. A Global Impact Investing Network (GIIN) estima o tamanho total do mercado asiático em 6% de todos os ativos sob gestão e crescendo.

Aqui na América Latina, o paradigma também está mudando. O investimento de impacto na região é impulsionado pelo crescente interesse dos investidores em retornos sociais e ambientais, juntamente com ganhos financeiros. O WEF relata que o investimento de impacto nesta região cresceu mais de dez vezes na última década – com a demanda impulsionada por Brasil, México e Chile.

Isso é apoiado pela tração contínua de fundos de capital de risco, que experimentaram consolidação de mercado durante a pandemia e recentemente se estabilizaram. Mais especificamente, o capital de risco para investimento de impacto é encorajador. Vox Capital e MOV Investimentos aqui no Brasil e Adobe Capital e Ignia no México estão bem estabelecidos.

Para apoiar o fluxo de capital, a transparência do impacto também está aumentando. O Brasil foi a primeira economia latino-americana a exigir a adoção de padrões para relatórios de sustentabilidade. México e Colômbia também estão tomando medidas firmes para aprovar regulamentação nacional que exige a divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade e impacto pelas empresas.

Esse apoio regional é aprimorado por nossos National Partners: a Aliança pelo Impacto moldou e avançou em políticas de investimento de impacto no Brasil. A Aliança foi fundamental na formação da Enimpacto – Estratégia Nacional de Dez Anos da Economia de Impacto do Brasil (2023-2032) projetada para promover e regular o investimento de impacto e os negócios sociais no Brasil.

Essa estratégia estabelece metas ambiciosas, incluindo a expansão do número de negócios de impacto para 12.500, a certificação de mais de 300 incubadoras e aceleradoras até 2025 e o aumento dos ativos sob gestão para impacto em dez vezes.

A Aliança pelo Impacto também apoiou o G20 para Impacto – uma coalizão global que forneceu recomendações ao G20 durante a Cúpula do Rio.

Exemplos regionais

Esses movimentos macro na América Latina criaram infraestrutura e incentivos para o fluxo de capital. Exemplos regionais que inspiram nossa rede global de parceiros são muitos.

Um exemplo é o Título Vinculado à Sustentabilidade no Uruguai. Graças ao BID e ao PNUD, a emissão do país atraiu quase 200 investidores internacionais – mais de 20% dos quais são novos detentores da dívida uruguaia – com US$ 4 bilhões em demanda – quase três vezes a emissão inicial de US$ 1,5 bilhão. A estrutura da emissão conecta o rendimento ao cumprimento de objetivos ambientais.

Depois, há o exemplo de financiamento baseado em resultados da Viwala no México – uma instituição financeira que financia empresas sociais e negócios liderados por mulheres. Ao contrário dos bancos tradicionais, a Viwala estrutura seus empréstimos para que os pagamentos se alinhem com a receita da empresa credora, reduzindo a pressão financeira sobre negócios em estágio inicial, garantindo um crescimento sustentável.

Terceiro, são os modelos de financiamento para os mais vulneráveis. Um é o primeiro título de gênero (gender bond) emitido após a recente implementação do regime simplificado para títulos de impacto social na Argentina pela ProMujer com o apoio da Techo e Sumatoria. 

Da mesma forma, há a Vivenda no Brasil usando seu próprio capital para financiar quase 400 projetos de moradia por meio de empréstimos de baixo juro com termos de pagamento acessíveis e sem garantia. A Vivenda emitiu o primeiro título de impacto social no Brasil.

O que é preciso fazer

Mas o que a GSG Impact pode adicionar a toda evolução que estamos vendo? Esperamos que nosso modelo de parceria global possa transformar aprendizados em ações concretas no nível local. Aqui estão algumas conclusões:

Primeiro é que nós, como ecossistema de empresas de impacto, precisamos manter o curso. Quando os orçamentos governamentais estão apertados, as empresas sociais estão entre os investimentos que fornecem o maior retorno por dólar investido. 

Em segundo lugar, é preciso continuar os avanços na transparência e na prestação de contas. O GSG Impact instou recentemente a Comissão Europeia a defender os Padrões Europeus de Relatório de Sustentabilidade. Embora os críticos afirmem que isso ocorre com o risco da competitividade das empresas, recuar da transparência e da prestação de contas limitaria o rigor e a disciplina que o setor ainda necessita, especialmente em mercados emergentes.

Terceiro é fortalecer o alinhamento com os governos por meio dos nossos National Partners na Argentina, Chile, Peru, Colômbia, México, América Central e Brasil. Há muito a fazer pelos governos como participantes do mercado, construtores de mercado e reguladores nos níveis federal ou local.

Quarto é mostrar nossa defesa por meio de exemplos concretos. O que deve emergir quando este caos se acalmar é uma indústria de investimento de impacto que seja mais eficaz do que antes.

Por último e mais importante, devemos contrapor com unidade. A comunidade global está cada vez mais fragmentada. Alguns estão olhando para dentro, outros estão apontando o dedo, e outros estão espalhando desinformação. Além disso, devemos ignorar a tentação de escolher entre uma falsa dicotomia de retornos a qualquer custo e a criação de valor ambiental e social.

Tudo isso acontece num momento em que a região está a caminho de atingir apenas 22% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e tem lacunas de financiamento de US$ 650 bilhões por ano. Não podemos ainda reivindicar sucesso ou perder de vista nossa ambição. Precisamos de um senso de urgência e escala.

Todos nós podemos fazer mais para continuar construindo e avançando o investimento e o empreendedorismo de impacto no Brasil.

*Elizabeth Boggs Davidsen é CEO do GSG Impact. Criado em 2015, o GSG (Global Steering Group for Impact Investing) é uma organização que tem como missão fomentar o ecossistema global de investimentos e negócios de impacto, sempre em parceria com organizações e redes locais.