
Para a agricultura regenerativa ganhar escala no Brasil, é preciso superar dois obstáculos: financiamento e assistência técnica. É com essa tese que a gestora Iwá, em parceria com o Grupo Associado de Agricultura Sustentável (Gaas), estruturou um fundo para solucionar essas duas questões para produtores de grãos em Rio Verde, em Goiás.
O objetivo é captar R$ 500 milhões para o fundo de investimento em direitos creditórios (FDIC), em que o retorno ao investidor virá da concessão de crédito aos produtores.
“Ter financiamento ajustado à transição é algo crítico”, diz Eduardo de Souza Martins, presidente do Gaas, associação com uma rede de 3 mil agricultores, agrônomos e consultores que praticam e promovem a agricultura regenerativa há pelo menos dez anos em Goiás.
“A estrutura de financiamento da agricultura hoje está focada principalmente no custeio dos insumos usados na produção. Mas quando se fala em agricultura regenerativa, o foco está no processo.”
Não existe consenso sobre a definição do que é agricultura regenerativa, mas a premissa é que ela reúna práticas de manejo agrícola que regenerem o solo, um modo produtivo mais saudável do que o modelo de agronegócio tradicional, baseado em monocultura e uso intensivo de agrotóxicos.
Experiências e estudos mostram que, na média, esse sistema é mais produtivo, resiliente e rentável. A transição para a agricultura regenerativa, porém, leva em média de três a cinco anos e os produtores podem ter perda de lucratividade até que o sistema esteja maduro.
Uma análise com produtores do Gaas mostrou maior resiliência a eventos climáticos extremos em plantações de soja, com produção estável durante as duas maiores secas do Cerrado, com mais de 50 dias cada, registradas nos últimos quatro anos.
No agro regenerativo, a atenção se volta para o manejo agrícola, com práticas capazes de fazer com que o próprio sistema suprima doenças e pragas e retenha nutrientes e água no solo para lidar com eventos de estresse hídrico. Entre essas práticas estão o plantio direto, plantio de cobertura, adubação orgânica, uso de defensivos biológicos, redução do uso de defensivos químicos, e rotação de culturas.
O uso moderado de insumos químicos – substituídos por biológicos de produção local – contribuiu para a redução dos custos dos produtores do Gaas na ordem de 50%, em valores nominais, em meio à disparada do dólar – moeda na qual esses insumos são negociados.
“Se a receita [da agricultura regenerativa] é mais estável e a base de custos é mais baixa e previsível, temos uma tese para o crédito”, diz Heloisa Baldin, fundadora da Iwá. A gestora, criada em 2023, também está se preparando para colocar no mercado um fundo de CBIOs, créditos de descarbonização do setor de combustíveis.
Assistência na ponta
O objetivo do fundo será repassar o crédito para os produtores a juros mais baixos do que os encontrados no mercado. O financiamento deve ter prazo entre 7 e 10 anos e ser acompanhado pela assistência técnica do Gaas. O crédito estará disponível para produtores associados e que poderão usar a produção como garantia para o empréstimo.
A meta é financiar a adoção de práticas regenerativas em 40 mil hectares na região de Rio Verde. A área das propriedades dos produtores do Gaas varia entre 400 a 8 mil hectares – cada hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol.
“O Gaas fará essa gestão de conhecimento. Por exemplo, quando se tem uma praga, qual bioinsumo o agricultor deve utilizar em vez de inseticida? O que aplicar, como e quanto? Qual a correlação entre esses aspectos e a biodiversidade local? São aspectos que ajudamos a olhar”, afirma Alexandre Aoki, consultor sênior de financiamento no Gaas.
O fundo terá sua atenção voltada para a região, a fim de compartilhar os aprendizados e encontrar soluções coletivas para os desafios locais. “Essa aproximação facilita o trabalho de interação, a capacitação e as verificações em campo, inclusive de terceira parte quando necessário. Também torna possível otimizar a logística para a venda destinada de produto regenerativo para o mercado”, diz Martins.
Ele explica que um desafio para tornar a agricultura sustentável mainstream é a falta de uma infraestrutura adequada às suas características, como ocorre com a agricultura convencional. A mudança precisa acontecer desde o ensino dos agrônomos nas universidades até a logística de comercialização e assistência, exemplifica.
Remuneração
O Fundo Agricultura Tropical Regenerativa, como foi batizado, está em fase de captação. A Iwá está em conversas com organismos multilaterais para que eles absorvam mais riscos por meio das cotas subordinadas do FIDC ou algum mecanismo de blended finance.
A remuneração aos investidores poderá contar com uma adicional para além da concessão de crédito, com ativos ambientais gerados pela agricultura regenerativa, com a geração de um crédito de biodiversidade ou carbono.
O formato desse ativo ambiental ainda está sendo estudado, mas o objetivo é que ele seja um pagamento acessório ao investidor. “O êxito dessa estratégia de transição regenerativa é indissociável ao aumento do carbono no solo, maior retenção de água e resiliência. É por isso que esses ativos vêm juntos”, afirma Baldin.