O Ministério do Meio Ambiente e o BNDES abriram uma consulta pública para colher opiniões sobre o mercado de certificação de créditos de carbono. No entendimento do governo federal, essa etapa tem sido um gargalo decisivo para o desenvolvimento dos negócios que financiam a proteção e a restauração dos biomas no país.
Projetos geradores de créditos de carbono florestal, os mais comuns no Brasil, quase sem exceção dependem do carimbo da Verra, uma entidade americana sem fins lucrativos e a maior certificadora do mundo.
Nos últimos anos, os processos de registro e certificação por parte da Verra têm demorado muitos meses – anos, em alguns casos. Entre os motivos estariam a incapacidade de a empresa lidar com o crescimento da demanda, pouca digitalização e problemas de financiamento.
“Quatro certificadoras internacionais dominam esse mercado. Nada contra essas empresas, mas o volume [de créditos] está aumentando”, afirmou Nelson Barbosa, diretor de Planejamento e Relações Institucionais do BNDES, no lançamento da consulta.
A justificativa para o salto do mercado envolve a admissão de ativos do mercado voluntário no futuro sistema regulado nacional e as transações globais dentro do mecanismo criado pelo Artigo 6 do Acordo de Paris .
A iniciativa do governo terá algumas etapas. Em paralelo à consulta pública, que vai até 25 de abril, será feito um mapeamento do mercado e das certificadoras que atuam no país. Além da líder Verra, uma série de novas companhias têm surgido como alternativa.
Essas informações serão a base da atuação do governo, que pode ter várias formas. Elas incluem incentivo para que as certificadoras estrangeiras aumentem sua presença no país e possíveis financiamento e ajuda técnica para competidores nacionais.
Segundo Barbosa, o esforço vai beneficiar desenvolvedores de projetos de carbono no Brasil e também de dezenas de outros que detêm grandes florestas tropicais.
Ressalvas
Entre os participantes do mercado, a iniciativa foi considerada positiva, mas com algumas ressalvas. A principal delas envolve o risco do incentivo a jaboticabas.
Os problemas de lentidão da Verra são unanimidade – e conhecidos há tempos. Ainda assim, a certificadora é a escolhida pela maioria das empresas porque, na prática, ela tornou-se o padrão global.
Mais importante que isso: em um mercado que há mais de dois anos atravessa uma profunda crise de credibilidade, muitos compradores estrangeiros exigem o carimbo dos americanos.
Caso aceitem uma certificação diferente, o preço pago será mais baixo, afirma Munir Soares, CEO da Systemica, uma desenvolvedora de projetos carbono.
“O processo de certificação leva anos para ser desenvolvido. Você precisa ter metodologias críveis, um processo científico robusto. Depois tudo isso passa por um processo aberto de consultas públicas. E um nível de compliance muito alto, para mostrar que não há conflitos de interesse”, diz Soares.
Essas exigências partem do lado da demanda. “Historicamente é assim, certificações são puxadas por quem compra”, diz Monique Vanni, diretora da Wildlife Works, uma das companhias pioneiras no negócio do carbono. “O Brasil é o maior produtor de açúcar do mundo, e a Bonsucro, principal certificação do setor, é estrangeira.”
Nada impede que outras companhias tentem se aproveitar dos flancos abertos pela Verra, mas o sucesso vai depender em grande medida da aceitação de quem compra créditos de carbono.
E a empresa americana diz estar ciente dos problemas que enfrenta e comprometida com solucioná-los. Em entrevista ao Reset no fim do ano passado, a CEO Mandy Rambharos afirmou que a companhia está revendo processos e investindo em tecnologia para ganhar eficiência.
A certificação da certificação
Outro ponto a ser levado em conta em uma eventual iniciativa nacional são as “certificações das certificações”. O Integrity Council,
iniciativa do setor que se propõe a restaurar a integridade do mercado voluntário, já aprovou tanto a Verra quanto uma das metodologias florestais da empresa.
Com essa chancela, alguns créditos podem utilizar um selo de qualidade que, segundo as primeiras indicações, vem sendo bem recebido pelos compradores como uma distinção extra de qualidade e integridade.
Hoje, somente projetos ligados a florestas que usem metodologias da Verra ou a da também estrangeira ART (que é usado pela maior parte dos projetos que englobam jurisdições inteiras, como o do Pará) têm direito de usar o selo, chamado CCP.
“É fundamental que esse avanço ocorra de forma alinhada ao mercado internacional, garantindo que os créditos de carbono brasileiros atendam aos mais altos padrões de transparência, credibilidade e reconhecimento global. A adoção de metodologias internacionalmente aceitas fortalece a competitividade do Brasil, amplia o acesso a mercados estratégicos e assegura a integridade ambiental dos projetos”, afirmou em nota a Aliança Brasil NBS, que reúne as companhias que desenvolvem projetos de carbono.
A demanda do mercado regulado vai demorar anos para se materializar. Hoje, quase a totalidade das vendas são feitas para empresas do exterior que querem compensar suas emissões de gases de efeito estufa.