Cerca de 150 mil toneladas de alimentos vão para o lixo diariamente no Brasil. O varejo responde por 14% desse total, e nos supermercados a perda mais alta é de alimentos frescos, especialmente frutas, legumes e verduras, ou FLV, no jargão do setor.
Mais difícil de gerir, por sua alta perecibilidade, essa categoria é um grande desafio e corresponde a 66% das perdas em supermercados, segundo dados do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo (Sincovaga).
Para ajudar a minimizar o desperdício e o consequente prejuízo financeiro, uma startup criou uma ferramenta de inteligência artificial para melhorar a gestão dos alimentos frescos, indicando o pedido ideal que cada loja deve fazer para evitar perdas.
A Aravita nasceu durante a pandemia e começou a operar em setembro de 2022. Com modelos de deep e reinforcement learning, a empresa utiliza dados internos e externos para alimentar seu algoritmo e, assim, apontar com maior acuracidade os pedidos que devem ser feitos por cada loja.
“Os supermercados costumam ter dados de grande qualidade relativos a alimentos frescos, dados granulares e com alta frequência de atualização no ponto de venda”, diz Marco Perlman, CEO da startup. “São informações que, não medidas ou erradas, representam um prejuízo imenso para os varejistas. Por isso são muito bem cuidadas e precisas.”
O caminho da Aravita, segundo Perlman, é o oposto da maioria das empresas que trabalham com inteligência artificial de mercado. “Muitas criam a ferramenta e depois vão buscar dados para alimentá-la”, afirma ele. “Nós aproveitamos dados sólidos já disponíveis para então construir a solução.” Entre as informações que alimentam o software da companhia estão históricos de vendas, indicadores econômicos, variações de clima e sazonalidade dos alimentos.
Jogar comida no lixo é um problema em qualquer lugar do mundo. No Brasil, segundo dados do IBGE (2023), cerca de 10 milhões de pessoas ainda estão em situação de insegurança alimentar grave.
E há também a questão ambiental, diz Perlman. “O desperdício impacta o uso do solo, da água, aumenta o uso de fertilizantes, a poluição e a emissão de metano.” O gás, produzido durante a decomposição da matéria orgânica, é o segundo maior contribuinte para o aumento de temperatura no planeta, atrás apenas do carbono.
Indicações individualizadas
O principal cliente da Aravita é o grupo St Marche. A startup já monitora e otimiza cerca de 1000 SKUs (sigla para stock keeping unit, ou produtos no estoque) das marcas St Marche e Empório Santa Maria. Perlman explica que o algoritmo criado pela Aravita considera as especificidades de cada loja. “Elas são muitas, por isso o problema de gestão é tão complexo e ideal para o uso da inteligência artificial.”
Chuvas, calor excessivo, datas festivas, um buraco na rua do supermercado, o horário de saída da escola vizinha, falta de energia – muitas variáveis podem afetar as vendas e consequentes perdas de produtos frescos. “Parte da graça do que a gente faz é
poder recomendar o pedido perfeito por item e por momento. O olhar tem de ser micro e extremamente individualizado. Quem usar uma regra geral vai acertar na média, mas errar muito nesta curva de dispersão imensa que existe de realidade entre as lojas”, diz o CEO.
Além de evitar perdas, o “pedido perfeito” de cada alimento – o que, quando e quanto comprar – gerado pela Aravita também leva em consideração um cálculo de rupturas. No linguajar do varejo, uma ruptura acontece quando um produto acaba na prateleira – e não está em estoque para ser reposto. “É muito difícil ter controle exato e dados reais de estoque de FLV”, explica Perlman. “Nosso algoritmo identifica vendas utilizando tickets dos consumidores em vez de dados de estoque.”
Nas lojas do grupo St Marche onde a ferramenta da startup já está rodando há mais de quatro semanas, a quebra (perda de produtos) diminuiu cerca de 20%. As indicações da ferramenta guiam 80% das decisões de compras da rede em FLV.
A Aravita não divulga seu faturamento, mas Perlman diz que ele ainda é simbólico, diante dos valores de investimento. No primeiro trimestre de 2023, a startup recebeu R$12 milhões do Qualcomm Ventures, da 17Sigma, Bridge, DGF Investimentos, Alexia Ventures, BigBets e Norte Capital. O negócio tem entre seus investidores-anjo Bernardo Lustosa, sócio e ex-CEO da ClearSale, e Flávio Jansen, ex-CEO da LocaWeb e do Submarino.
Engenheiro de formação, Perlman acumula mais de duas décadas de experiência com empreendedorismo digital. Em 2004 ele fundou a Digipix, hoje maior empresa de impressão de álbuns e fotografias digitais do país. “Nós tivemos que descentralizar a operação durante o isolamento do covid, com todos em home office, e eu acabei me distanciando do dia a dia e das decisões”, ele conta. “Era hora de alçar novos voos, e desta vez eu queria um negócio que fizesse bem ao planeta.”
Ele então se uniu a Bruno Schrappe, engenheiro eletrônico fundador de uma consultoria baseada em Toronto (Canadá), especializada em dados e inteligência artificial. Schrappe é o diretor de tecnologia da Aravita. Pouco tempo depois chegou a terceira sócia, Aline Azevedo, diretora de produtos. Além do trio, a empresa tem cerca de outros 15 colaboradores, a maioria cientistas e engenheiros de dados e desenvolvedores.