A Comissão Europeia apresentou na manhã desta quarta-feira um pacote de medidas para simplificar suas regulações de sustentabilidade. A justificativa é reduzir os custos de adequação às regras e proteger a competitividade das empresas do bloco.
As mudanças potencialmente afetam companhias brasileiras com negócios no continente e dependem de aprovação pelo Parlamento Europeu e da maioria dos 27 Estados-membros.
Batizado de omnibus, o conjunto de propostas do órgão executivo atinge algumas das principais legislações ESG da União Europeia, incluindo obrigações que se estendem a companhias além de sua jurisdição, como as que requerem diligências detalhadas sobre direitos humanos nas cadeias produtivas.
O objetivo é “reduzir a complexidade das exigências da UE para todas as empresas, notadamente pequenas e médias”. O foco dos reguladores daqui em diante será nas companhias de grande porte, que têm “maior impacto no clima e no meio ambiente”.
Críticos apontam que as várias legislações que fazem parte do chamado Green Deal europeu contêm sobreposições e são complexas demais – o que dificulta tanto seu cumprimento quanto sua fiscalização.
Do lado oposto, entidades de defesa do meio ambiente afirmam que recuos podem ser o primeiro passo de uma desregulamentação desenfreada.
O custo de cumprir com todas as exigências regulatórias da UE foi estimado em € 150 bilhões por ano. O objetivo é cortar esse total em € 37,5 bilhões até 2029.
O fardo burocrático ficou mais evidente com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Para ficar em apenas um exemplo, a regra que exigiria a divulgação da pegada de carbono das empresas negociadas em bolsa deve ser abandonada sem nem sequer ter entrado em vigor.
Segundo a Comissão, se adotado o omnibus pode representar € 50 bilhões em novos investimentos privados.
“A realidade global evoluiu, e talvez tenhamos que pensar até que ponto essas coisas precisam ser adaptadas”, afirmou ao Financial Times Teresa Ribera, vice-presidente da CE , em relação às regulamentações verdes do bloco.
As mudanças propostas pelo executivo europeu se concentram em três legislações, todas com potencial impacto além das fronteiras dos 27 países que integram a UE.
Veja abaixo as principais alterações contidas no omnibus:
CSRD
A CSRD (Diretiva de Reporte de Sustentabilidade) requer divulgação de como as atividades corporativas e as respectivas cadeias de fornecimento podem ser influenciadas por fatores externos (mudanças climáticas, situações de vulnerabilidade social, por exemplo) e que impactos – negativos e positivos – elas têm na sociedade e no meio ambiente.
Conhecida como “dupla materialidade”, essa abordagem é considerada a mais completa – e complexa – para avaliar a relação entre negócios e clima e meio ambiente.
O omnibus isenta da obrigação cerca de 80% das companhias que teriam de se adequar à CSRD. Somente empresas que tenham mais de 1000 funcionários ou faturamento superior a € 50 milhões na EU ficariam sujeitas à regra.
Os prazos também podem ser estendidos: os primeiros reportes, previstos para 2026, seriam adiados para 2028.
Se aprovadas, as alterações podem ter impacto no total de companhias brasileiras que estarão sujeitas à diretiva, diz Bruno Galvão, especialista em regulamentação europeia do escritório alemão Blomstein e colunista do Reset.
“A proposta muda os critérios. Os ativos da filial europeia da companhia estrangeira devem ser de € 50 milhões, e não mais de € 40 milhões, e a receita líquida passa de € 150 milhões para € 450 milhões”, afirma Galvão.
CSDDD
A CSDDD (Diretiva de Due Diligence sobre Sustentabilidade Corporativa) exige que empresas realizem um amplo exercício de due diligence sobre os impactos ambientais e de direitos humanos de suas operações e de sua cadeia de valor, dentro e fora do território europeu.
A simplificação proposta pela Comissão inclui verificações sistemáticas somente para parceiros diretos e a redução da frequência das avaliações periódicas de uma vez por ano para uma vez a cada cinco anos.
Esta deve ser a principal mudança para as companhias brasileiras, segundo Galvão: “Deve haver uma redução na pressão para a entrega da informações”.
A entrada em vigor da CSDDD também pode ser adiada em ano, começando a valer em julho de 2028.
CBAM
O CBAM, sobretaxa imposta a importações intensivas em carbono, também deve sofrer alterações. A proposta exime da obrigação quase 200 mil empresas, ou 90% das que originalmente seriam afetadas.
Somente os grandes importadores dos bens sujeitos à taxa – como aço e alumínio e derivados – serão obrigados a se adequar. Mesmo com a mudança, 99% das emissões “importadas” pelo bloco estarão cobertas, de acordo com a Comissão Europeia.
As informações que terão de ser declaradas no ato da importação também serão objeto de revisão. A mudança é importante porque as exigências do CBAM incidem sobre o comprador europeu, que é responsável por obter dos seus fornecedores no exterior as comprovações sobre carbono embutido nos produtos ou materiais transacionados.
Retrocesso ou ajuste à nova realidade?
A União Europeia sempre foi pioneira em regulações de sustentabilidade, e muitas das suas iniciativas são a base de iniciativas semelhantes mundo afora. A taxonomia brasileira de investimentos sustentáveis é um exemplo.
O relaxamento das exigências e a revisão de prazos – como o adiamento da entrada em vigor da lei antidesmatamento – é considerada um retrocesso por algumas entidades de defesa do meio ambiente.
“Você colhe o que planta, e o processo profundamente inadequado do omnibus parece indicar uma destruição de uma estrutura de reportes construída cuidadosamente ao longo de oito anos”, disse em comunicado Sebastien Godinot, economista-sênior da área de políticas públicas do WWF.
Mas a visão não é unânime. Julieda Puig, ex-head global de ESG e compliance do HSBC e especalista em sustentabilidade, afirma que a a UE continua “infinitamente à frente”.
“A Europa continua no jogo do comércio, com muito mais foco em competitividade mas com padrões ainda elevados de sustentabilidade. As regras continuam duras, mas mais práticas e com escopo mais seletivo, reduzindo a carga das pequenas e médias empresas”, diz Puig. “Achei importante a manutenção da dupla materialidade, algo que só existe na Europa e é um conceito muito relevante para a ideia de um ‘novo capitalismo’, no qual as empresas se responsabilizam pelo impacto no ambiente e na sociedade e não só nos seus balanços.”