Indaiatuba (SP) – O que não falta nas universidades agrícolas são estudos mostrando como a adoção de boas práticas de manejo no campo traz benefícios ambientais e produtivos. Muitas delas já são adotadas nas lavouras brasileiras há décadas. Mas, sem dados e assistência técnica, pouco se sabe sobre (e se ganha com) a produção mais sustentável.
Um consórcio criado para impulsionar a chamada agricultura regenerativa – e que paga um prêmio pela soja e milho produzidos de forma sustentável – está tentando fechar esse gap. E apresentou os resultados da primeira safra de seu projeto-piloto. Os indicadores de sustentabilidade e econômicos (com redução de custo com uso de insumos) são animadores, mas ainda há um longo caminho para que o modelo ganhe escala.
Batizada de Reg.IA, a iniciativa aproxima produtores rurais e empresas que compram grãos. A intenção é estimular a sustentabilidade no campo e, ao mesmo tempo, remunerar os produtores rurais por isso. Na primeira safra do projeto-piloto, as empresas BRF e Milhão se comprometeram a pagar um prêmio de 2% sobre o valor da saca de cada grão para os produtores que aderirem ao protocolo do consórcio.
As últimas colheitas da safra 2024-25 estão sendo feitas e o número de produção ainda não está fechado, mas a estimativa é de que sejam colhidas 160 mil toneladas de soja e 300 mil toneladas de milho regenerativos. O volume de soja é inferior à meta de 200 mil toneladas na primeira safra do projeto.
A explicação não está na produtividade, mas na extensão de área plantada dentro do programa. Para atingir esse objetivo, a área plantada necessária projetada era de 50 mil hectares, mas nessa primeira fase ela ficou em 37 mil hectares distribuídos em 38 fazendas – cada hectare corresponde a mais ou menos um campo de futebol.
Os números mostram como a produtividade foi superior ao inicialmente projetado, uma vez que a área foi 35% menor, mas a produção apenas 25% abaixo da meta.
“A dificuldade é realmente conseguir produtores”, explica Charton Locks, diretor de operações da Produzindo Certo. A agtech compõe o consórcio ao lado de Agrivalle, Bayer, BRF, Milhão e Gapes (Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano). Ele explica que o grupo tem produtores em várias fases da curva de sustentabilidade, com fazendas que já adotam diversas práticas regenerativas e outras que estão no início da jornada.
“Isso significa o quê? Teve muita fazenda que o produtor não conseguiu se comprometer com um volume significativo da área dele para adotar as práticas. Mas ele falou: ‘para esse ano eu consigo colocar um talhão’”, conta.
A projeção da Reg.AI era de que com 30 fazendas obteria 50 mil hectares plantados, mas foram preciso 38 fazendas para conseguir os 37 mil hectares dessa primeira fase. “E não foi por falta de vontade dos produtores. Mas exige investimentos e alguns decidiram ir com cautela”, diz Locks.
Os números foram apresentados a uma plateia de cerca de 30 pessoas em Indaiatuba, interior de São Paulo, na sede da Agrivalle, na noite desta quinta-feira (20).
A dificuldade de escala é encontrada em outras iniciativas e também apareceu no programa de agricultura regenerativa da ADM no Brasil, que está em sua segunda fase.
Um estudo do Boston Consulting Group (BCG) nos Estados Unidos mostrou que a falta de investimento e financiamento direcionados e conhecimento por quem está na ponta, os produtores e agrônomos, são desafios para adoção dos programas. O levantamento da consultoria mostrou que durante a transição da agricultura convencional para a regenerativa, o que leva em média de três a cinco anos, pode haver perda de lucratividade por conta dos investimentos necessários.
O custo de sementes para o plantio de cobertura, prática obrigatória do protocolo da Reg.IA, por exemplo, são de entre R$ 300 a R$ 400 por hectare, segundo Thalita Tessmann, produtora e proprietária da Fazenda Tambordense, em Minas Gerais, uma das participantes da primeira fase do projeto.
Ao aderir ao protocolo, o produtor recebe de forma gratuita assistência técnica e análise de dados do solo e da produção. Elas ficam disponíveis em uma plataforma tecnológica do consórcio, que dará ao comprador o laudo de que aquele grão foi produzido com práticas regenerativas. O custo de assistência, tecnologia e análises são bancados pela Reg.IA.
Estoque de carbono
A agricultura é a única atividade econômica que, além de emitir carbono, também consegue capturá-lo e estocá-lo no solo no seu processo natural de produção – mas este é um serviço ambiental que só acontece com boas práticas de manejo. Quanto mais saudável for o solo, mais carbono ele estoca. Por isso que a agricultura regenerativa tem esse nome, porque seu principal objetivo é “regenerar” a terra.
Para isso, porém, algumas práticas de manejo precisam ser adotadas. Existem diversas iniciativas públicas e privadas com protocolos pelo mundo e no Brasil. No consórcio Reg.IA, a ideia foi começar com um protocolo de fácil introdução nas fazendas, com uma prática obrigatória e um cardápio de práticas opcionais, para serem adotadas de forma faseada.
O protocolo exige que os produtores adotem obrigatoriamente o sistema de plantio direto nos talhões – termo utilizado no agronegócio para indicar a divisão produtiva das propriedades – onde produz a soja e o milho do programa.
Esse sistema consiste em fazer plantio de cobertura, técnica em que são plantadas espécies como a braquiária (um tipo de capim) para que o solo fique mais nutrido e úmido. Essa planta deixa uma palha residual, que cobre o terreno. Logo após, as sementes são colocadas no solo sem que a terra seja remexida por equipamentos como o arado, por exemplo.
Além do plantio direto, o protocolo também indica que o produtor escolha pelo menos mais uma prática sustentável em um universo de quatro opções: adubação orgânica, uso de defensivos biológicos, redução do uso de defensivos químicos, e rotação de cultura (variação de cultivo de espécies em uma área).
Os estoques de CO2 dependem da qualidade do solo e estão diretamente correlacionados com a fração mais fina de terra. Por isso, as análises são feitas nos primeiros 30 centímetros de solo, em três porções de 10 centímetros cada.
O estoque médio de carbono encontrado entre os produtores do protocolo da Reg.IA foi de 73 toneladas de CO2 por hectare, distribuídos de forma uniforme entre os 30 centímetros. “Essa uniformidade na distribuição desse carbono nos surpreendeu e é boa porque faz com que esse carbono esteja mais protegido”, diz Antonio Luis Santi, professor da Universidade de Santa Maria (RS) e co-fundador da Connect Farm, parceiro do consórcio que faz as análises do solo.
Ele explica que há uma deficiência de números de referência de carbono no solo Brasil, mas que a variação entre a própria amostra do programa mostra o potencial de aumento de estoque de CO2 do grupo. O produtor com o melhor número foi de 113 toneladas de carbono por hectare e a média dos melhores 10 produtores foi de 106 toneladas.
“Esse estoque traz outros benefícios em se tratando de agricultura regenerativa, de armazenamento de água e melhor suprimento de nutrientes, que trazem um bom desenvolvimento das plantas”, diz Santi.
Menos insumo
Com um solo mais saudável, a tendência é que ao longo do tempo haja uma redução da necessidade de uso de insumos para adubação e combate de pragas.
As análises de solo dos produtores da Reg.AI mostrou uma redução da aplicação de calcário em 92% das áreas analisadas, de potássio em 21% e de fósforo em 46% da área.
Segundo Santi, esses insumos podem representar um custo superior a 30% do custo de produção em algumas regiões. “Temos uma grande oportunidade de redução de custos e de redução de investimentos, o que traz um benefício primeiro econômico e segundo ambiental ao produto.”
Para selecionar os produtores, o consórcio faz uma análise de sustentabilidade que inclui verificações se há desmatamento ilegal, sobreposição de área de plantio com unidade de conservação e terras indígenas, trabalho escravo e embargos ambientais.
Tessmann, produtora na Fazenda Tambordense, relata que a economia com adubo chegou a 80%. “Ganhamos com economia de insumos, mas também com aumento de produtividade”, diz. Segundo ela, as práticas também trazem resiliência a mudanças climáticas, com menos quebra de safras.
“Funciona com um seguro agrícola”, resume Locks,d a Produzindo Certo.
Ele observa, porém, que há produtores que precisam também da finalização de retorno financeiro vindo dos compradores para realizarem o investimento necessário na transição para práticas regenerativas. Por isso, há um esforço do consórcio de angariar mais empresas dispostas a pagar um prêmio pelos grãos regenerativos para a segunda safra do projeto.
Representantes da JBS e da Seara estiveram na plateia em Indaiatuba ouvindo os resultados da primeira fase.
*A repórter viajou a convite da Produzindo Certo