FS aguarda sinal verde para enterrar o CO2 do seu etanol

Empresa prevê investir R$ 500 milhões em projeto pioneiro que captura o carbono da produção de biocombustíveis

FS aguarda sinal verde para enterrar o CO2 do seu etanol
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A FS Biocombustíveis quer fazer o que, no Brasil, apenas árvores e petroleiras são capazes até agora: capturar carbono e estocá-lo abaixo do solo. O projeto pioneiro será acoplado à sua produção de etanol de milho em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, e a expectativa é que a planta comece a ser levantada em junho deste ano e a captura comece um ano depois – mas o caminho até lá ainda encontra desafios na regulação.

“Queremos ser o maior produtor de combustível carbono negativo do mundo”, diz Daniel Lopes, vice-presidente de sustentabilidade e novos negócios da FS. Ou seja, a meta é que, ao longo do ciclo de vida de seu etanol de milho, mais carbono seja capturado do que o emitido.

Em outubro passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei do Combustível do Futuro. Parte dela trata do marco regulatório da captura, uso e estocagem de carbono. A atividade ainda não é regulamentada e depende da Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão sobrecarregado com diversas atribuições ligadas ao setor de energia.

A aposta da FS para cumprir com seu cronograma é que a ANP formalize um sandbox regulatório – um período de teste para as regras que permitiria que a empresa operasse esse novo sistema. 

“Temos interesse em ser um projeto piloto e poder ajudar o país a montar uma regulação parruda. Vamos advogar para que seja tão boa quanto qualquer outra internacional, porque dependemos de poder vender isso internacionalmente”, diz Lopes.

A empresa afirma já ter comprovado a viabilidade geológica do local de armazenar o carbono por milhares de anos, mas a construção só virá depois de duas etapas: a aprovação do licenciamento, prevista entre março e junho deste ano, e a confirmação de ser um piloto diante da ANP.

A dívida da empresa chegou a 7,4 vezes o Ebitda (lucro antes do pagamento de juros, impostos e depreciação), índice considerado alto. A FS reportou prejuízos no segundo e terceiro trimestres de 2024 e pausou a construção de sua quarta usina de etanol, em Querência (MT). Ainda assim, reafirmou seu compromisso com o projeto de captura de carbono, com investimento projetado na ordem de R$ 500 milhões – R$ 170 milhões financiados pela Finep. 

“Estamos trabalhando para ter um financiamento mais barato, então ainda não temos uma visão tangível do payback”, afirma o executivo. Uma nova fonte de receita deve vir da emissão de créditos de remoção de remoção, que variam entre US$ 100 e US$ 300 no mercado atualmente.

Rota tecnológica

Hoje, quem domina a expertise de captura de carbono são as big oils – ainda que sejam também elas grandes contribuintes para a emissão do gás poluente.

A Petrobras tem o maior programa de captura, uso e armazenamento de carbono (CCUS, na sigla em inglês) do mundo, em termos de volume. A companhia separa, ainda na plataforma, o CO2 do gás natural e o injeta em seus reservatórios de petróleo em alto-mar. A técnica é usada para aumentar a pressão interna e auxiliar na extração do combustível fóssil, e não tem como objetivo final a fixação permanente de carbono.

A petroleira está estudando construir um hub de captura e armazenamento definitivo (CCS, na sigla em inglês), que permitiria oferecer o serviço a outras empresas. O projeto deve ser instalado no terminal de Cabiúnas, no Rio de Janeiro, e ter capacidade de capturar 100 mil toneladas de CO2 (tCO2) por ano. Ele também é um potencial piloto da ANP.

As diferenças são várias em relação ao que a FS vem desenhando. Ainda assim, a tecnologia em si “não é nenhuma rocket science”, diz Lopes, e a empresa já começou as compras do maquinário a ser usado. 

A captura do CO2 se dá durante a fermentação do etanol de milho e, diferentemente do que ocorre no petróleo, o carbono emitido pela FS vem 98% puro e não demanda tanto na separação de outros gases, o que reduz o custo do processo. 

A injeção do carbono será feita em terra, não no mar. A área usada será da propriedade FS, com uma outorga da ANP para a cessão do espaço abaixo da superfície – que pertence à União. No primeiro projeto de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês) no país, a empresa espera armazenar anualmente 423 mil tCO2 ao longo de 30 anos. 

Milho de baixo carbono

A principal razão para a produção de etanol de milho com baixa emissão de carbono é o sucesso da safrinha. O produtor, que fornece matéria-prima para a companhia, planta soja e depois milho, e um efeito simbiótico entre as duas plantações permite a maior fixação de nitrogênio pela soja, explica Lopes. O milho se beneficia desse processo e é menor a necessidade de aplicação de fertilizante, etapa em que é emitido o maior volume de CO2 no processo. 

Quando se trata de processos de descarbonização, a obtenção de certificações é importante para garantir o cumprimento de determinados critérios socioambientais. A FS produz mais de 2 bilhões de litros de etanol ao ano e, além de Lucas do Rio Verde, também gere plantas em Sorriso e Primavera do Leste, no Mato Grosso. Ao todo, são mais de 1 mil fornecedores de milho. 

“Em uma única planta, via de regra, o produtor de etanol de cana tem quatro ou cinco fornecedores. A nossa [de milho] tem 300”, diz Lopes.

A companhia tem engajado com seus fornecedores e, em cinco anos, a parcela daqueles elegíveis ao RenovaBio – principal programa de descarbonização do setor de combustíveis do Brasil – foi de 12% para 85%. “Levando em conta o desafio de rastreabilidade do milho, é bastante honroso termos conseguido esse feito.”

A FS foi a primeira companhia do mundo a obter a certificação de zero emissões induzidas por mudanças no uso do solo para a produção de etanol, com aval para que o biocombustível seja usado para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF). O certificado é emitido pelo Corsia, programa de descarbonização da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO). 

*Correção às 14h38: a previsão é que a planta seja levantada em junho de 2025 e a captura de carbono comece em junho de 2026, diferentemente do que constava anteriormente. O texto foi corrigido.