Na GranBio, o biometano toma o lugar do etanol de segunda geração

Pioneira do E2G, empresa de Bernardo Gradin vai priorizar etanol convencional e gás natural renovável em expansão de usina em Alagoas

Usina da GranBio em Alagoas
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São Miguel dos Campos, Alagoas – A GranBio, uma das pioneiras do etanol de segunda geração no Brasil, vai fazer uma reorientação de seu negócio, transformando sua usina alagoana num complexo integrado de combustíveis renováveis.

A tecnologia do etanol celulósico, ou E2G, que transforma restos de cana-de-açúcar e outros tipos de biomassa em combustível verde, ainda faz parte dos planos, mas pelo menos por enquanto não será mais a estrela do negócio.

Rebatizada de Exygen I, a planta da companhia no município de São Miguel dos Campos, 55 km ao sul de Maceió, vai aumentar sua produção do álcool tradicional e será ampliada para incluir uma usina de biometano.

O substituto renovável do gás natural de origem fóssil será obtido da vinhaça, um dos restos da fabricação do etanol. Os planos para o futuro do complexo também incluem a produção de fertilizantes e de e-metanol, um combustível avançado à base de hidrogênio verde que pode ser usado por navios cargueiros.

Essa visão mais holística, por assim dizer, foi descrita por Bernardo Gradin, ex-CEO da Braskem e fundador da GranBio, na manhã desta segunda-feira (27).

A companhia prevê um investimento total de R$ 1,5 bilhão nos próximos anos para transformar a unidade alagoana nessa biorrefinaria multicombustíveis.

A primeira fase inclui R$ 40 milhões para aumentar a produção do etanol convencional. Com o aumento da capacidade, a Exygen (pronuncia-se écsigen, como oxygen) vai comprar o melaço de três parceiros locais – Caeté, Santo Antônio e Impacto Bioenergia.

Essas companhias serão remuneradas pelo “custo de oportunidade” da produção do combustível e receberão parte dos lucros obtidos com os outros produtos da biorrefinaria.

A unidade de biometano deve consumir entre R$ 300 milhões e R$ 350 milhões. A pedra fundamental dessa expansão foi lançada em solenidade com a presença do vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, o ministro Renan Filho (Transportes) e o governador de Alagoas, Paulo Dantas.

Gradin afirma que os recursos virão majoritariamente na forma de equity, com a entrada de sócios estratégicos. Contratos de venda antecipada do biometano também devem compor o financiamento. Dívidas não devem representar mais que “10% a 15%” do investimento total.

Integrador

A Exygen I vai operar como um integrador, conseguindo uma eficiência e uma escala que seriam inviáveis para os parceiros individualmente. A média das usinas de Alagoas é de 2 milhões de toneladas de cana moídas por ano. A planta vai processar o equivalente a cinco vezes esse total, segundo Gradin.

O melaço que sobra da produção de açúcar pode ser estocado, permitindo produção durante o ano todo e com um custo mais competitivo por causa da tecnologia da planta, mais automatizada e moderna, diz o empresário.

A transformação da vinhaça em biogás – que pode ser purificada e transformada em biometano, ou gás natural renovável – é o outro ponto da equação.

O aproveitamento desse subproduto traz duas vantagens, diz Gradin. A primeira é reduzir a pegada total de carbono do etanol produzido. A outra é gerar um produto que tem potenciais compradores muito próximos.

“Estamos a 1.400 metros da Origem Energia, que é uma empresa de produção de gás, e a 4 quilômetros do TAG”, afirma ele, em referência à empresa que produz gás natural no Estado e à operadora do maior gasoduto do país, respectivamente.

A molécula do biometano é idêntica à do gás natural fóssil, o que significa que ambos podem utilizar a mesma infraestrutura. Além dessa característica química, Gradin aposta em um impulso no mercado graças à Lei do Combustível do Futuro.

Além de um mandato de mistura de 1% de biometano, algo semelhante ao que acontece com os combustíveis para veículos, a legislação prevê um sistema de “book and claim”.

Isso significa que uma companhia pode comprar “créditos” de gás natural renovável mesmo que não seja atendida diretamente pela rede de distribuição atual. O modelo é análogo ao de compra de certificados de energia renovável.

Gradin afirma que esse novo arcabouço legal foi um dos motivadores do desenho da Exygen I. O empresário vislumbra até mesmo a atração de indústrias para a região por causa da disponibilidade de energia limpa. “Vamos oferecer um custo [energético] muito competitivo”.

A operação de biometano vai depender de investimentos de parceiros e eventuais contratos de venda antecipada. O empresário afirma estar “correndo” para inaugurar essa expansão da planta até o fim de 2026.

Insustentável

O que chama a atenção nos planos para o complexo é a ausência do etanol de segunda geração. Gradin foi um dos pioneiros mundiais a apostar na produção comercial desse biocombustível avançado, obtido pela quebra química de restos da produção convencional.

A distância entre o que é possível em laboratório e a escala industrial ainda é desafiadora. “O prêmio prometido pelo etanol 2G não ficou sustentável. Então não tínhamos margem significativa [para produzi-lo]”, afirma Gradin.

A GranBio ainda não está pronta para abandonar a ideia, diz o empresário.  “Vamos ter uma planta bi-produção. Mas a gente só vai produzir o etanol 2G quando ele chegar ao equivalente a US$ 1.400 a tonelada.”

Hoje, o preço está abaixo dos US$ 1.000, segundo Gradin, por causa do rearranjo global do mercado de energia que se seguiu à pandemia e à guerra na Ucrânia. “Se você quiser uma batelada, eu fabrico, mas eu tenho o custo de oportunidade de produzir o etanol 1G em escala.”

O desenvolvimento da tecnologia básica do E2G segue firme nos Estados Unidos. Em 2023, a GranBio recebeu uma subvenção de US$ 80 milhões do Departamento de Energia americano para levar da bancada de laboratório à escala industrial a produção de etanol a partir de restos de madeira. O objetivo é que o combustível resultante seja transformado em querosene sustentável para a aviação, ou SAF.

Gradin afirma que os recursos estão garantidos, mesmo com o anunciado abandono do governo Donald Trump de tudo o que tenha a ver com a transição energética. A previsão, segundo ele, é começar a produção em 2027.

“Ainda não mudou nada”, diz Gradin. “Mas a gente tem que ler o jornal todo dia.”

* O jornalista viajou a convite da GranBio