Donald Trump está de volta. Com ele, retornam também as promessas de muros, tarifas, canetadas antiambientais e a obsessão por combustíveis fósseis. Mas a maior ironia é que a crise climática, que ele tanto ignora, é também o maior obstáculo para o futuro que ele promete aos americanos, eleitores seus ou não.
Trump vive num planeta em chamas. Nos EUA, o impacto das mudanças climáticas já é devastador e mensurável. Entre 2020 e 2023, desastres climáticos causaram, em média, US$ 145 bilhões anuais em danos, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA).
Não por acaso, esta é uma das agências que Trump quer desmontar, sob alegação de que se tornou “alarmista”. Ele provavelmente deseja criar uma agência “de boas notícias”, que venda a ilusão de que os americanos estão a salvo enquanto navegam pelas redes sociais.
Mas não existem refúgios no mundo real: noventa por cento (90%) dos condados americanos declararam algum tipo de emergência climática entre 2011 e 2023. E, quanto mais eventos extremos, mais pressão inflacionária – a grande preocupação dos eleitores, no pleito vencido pelos republicanos.
E, quanto mais extremos, menor a possibilidade de se transferir os riscos climáticos. Na Califórnia, a maior seguradora anunciou no ano passado que não aceitaria mais novas apólices residenciais no Estado. Na semana passada, ela foi forçada a voltar atrás, resultado de uma moratória de um ano que proíbe seguradoras de cancelar ou não renovar apólices em áreas afetadas por incêndios.
Mas a crise no mercado de seguros é real: outras empresas seguem o mesmo caminho em Estados como Flórida e Louisiana, restringindo coberturas ou simplesmente abandonando mercados locais. Como as comunidades podem se proteger economicamente se o aquecimento global acelerar e se não há adaptação?
É o clima, estúpido
A crise climática também pressiona as fronteiras nacionais. Na América Central, secas prolongadas e mudanças nos padrões de chuva devastaram plantações de milho e feijão, impactando até 80% das colheitas em países como Guatemala, Honduras e El Salvador.
Para milhões de agricultores, a migração é uma questão de sobrevivência. Esse é o público que Trump promete barrar com muros e policiamento e deportar em massa (já a partir desta semana). Mas fechar fronteiras não resolve uma crise enraizada no aquecimento global. Muros não seguram furacões.
Em casa, Trump aposta contra a transição energética. Sua cruzada contra fontes renováveis e a prometida reversão de políticas climáticas podem levar a um aumento de até 36% das emissões de gases de efeito estufa até 2035, em comparação ao cenário atual. Isso significa literalmente alimentar a fogueira do aquecimento global.
Trump também sinaliza uma possível saída dos EUA do Acordo de Paris, uma medida que já havia implementado em seu primeiro mandato. A justificativa é sempre a mesma: proteger a economia americana.
Trump ainda mira o Inflation Reduction Act, o maior pacote de investimentos climáticos realizados no país. Quais são as consequências econômicas de desmontar uma política que promove energia mais barata e limpa?
Energia mais cara para famílias e maior dependência de petróleo e gás importados. Ironia é pouco: as políticas de Trump sobrecarregarão exatamente os americanos que ele diz proteger.
Mas a história não para por aí. O efeito Trump encoraja lideranças populistas a seguirem o mesmo caminho. Na Argentina, o novo governo já sinalizou apoio à exploração de combustíveis fósseis e ao enfraquecimento de compromissos climáticos.
Antes de Trump, a previsão era de que a demanda global por combustíveis fósseis cresceria apenas 0,9% em 2024, contra os 2,1% observados em 2023. Será que essa tendência de desaceleração será revertida? E como a China, maior consumidora de energia do mundo, que já havia sinalizado uma redução no consumo de petróleo, reagirá a esse ambiente político e econômico?
Os investimentos em novos projetos de energia renovável nos EUA provavelmente não aumentarão nestes próximos 4 anos, abrindo espaço para que outros países atraiam esses investimentos.
O Net Zero Industrial Policy Lab, da Universidade Johns Hopkins, estima que desmontar legislações climáticas nos EUA poderia abrir um mercado de US$ 80 bilhões para rivais como China e União Europeia. Em vez de fortalecer a indústria americana, Trump está pavimentando o caminho para que outros países assumam a liderança em tecnologias limpas.A preocupação com Trump não é se ele conseguirá frear o inevitável – a transição energética já tem dinâmica própria –, mas quanto tempo ele pode atrasá-la, como escutei do professor Eduardo Viola em live após a eleição (assista aqui). O mundo esquenta, enquanto Trump congela no século retrasado.