Lançada a primeira fase do ‘cadastro positivo’ de sustentabilidade do agro

Plataforma Agro Brasil + Sustentável vai reunir em um só local as informações de conformidade, boas práticas e rastreabilidade de produtores rurais

Colheitadeiras em campo de soja no Mato Grosso
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Se quiser comprovar que está em conformidade socioambiental, um produtor rural hoje precisa caçar seus dados e documentos em muitos bancos de dados públicos, entre nacionais e estaduais. Diante de regulamentações e demandas de mercado cada vez mais exigentes, principalmente vindas de fora, este se tornou um requisito para fechar negócios. 

Para simplificar a tarefa, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) lançou nesta quinta-feira (19) a primeira fase da plataforma Agro Brasil + Sustentável, que tem como objetivo reunir em um só local as informações de conformidade, boas práticas e rastreabilidade de produtores rurais. 

Como sua adoção é voluntária, ela vai funcionar como uma espécie de “cadastro positivo” de sustentabilidade do agronegócio. Com o conjunto de dados atestando o cumprimento das normas socioambientai, o produtor pode acessar alguns benefícios – como fazer negócios com mercados restritivos e obter crédito com melhores condições. 

Os produtores que aderirem à plataforma poderão acessar seus próprios dados e dar acesso a eles para contrapartes, como clientes, bancos, órgãos públicos e outros atores de sua cadeia de fornecimento. 

“A plataforma não tem só a pretensão de responder às exigências da União Europeia, mas também de unificar as bases de dados, de criar uma ferramenta onde você consiga acessar a diversas informações do governo para fazer uma checagem socioambiental da propriedade rural”, diz Bruno Galvão, advogado da Blomstein.

Pensada em três módulos, hoje foram lançados os dois primeiros – de conformidade e boas práticas – reunindo informações de base de dados nacionais. As informações estaduais devem ser integradas ao longo de 2025. É o caso da Autorização de Supressão de Vegetação (ASV), informação essencial para saber se uma área foi desmatada legal ou ilegalmente. 

O terceiro módulo, de rastreabilidade, será lançado em uma segunda fase. 

O módulo de conformidade reúne as informações de Cadastro Ambiental Rural (CAR), embargos, lista de trabalho escravo, sobreposição com terras indígenas e quilombolas e com unidades de conservação. 

A seção de boas práticas reúne certificações dos produtores, como a Produção Integrada (PI) e Boas Práticas Agrícolas (BPA).

“Até então, essas análises eram feitas de maneira privada, acessando individualmente cada órgão público envolvido. Os dados são públicos, mas de difícil uso e tratamento, os produtores precisam contratar gente para fazer isso”, diz Marina Guyot, gerente de políticas públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). 

Rastreabilidade

A terceira e última parte da plataforma é a de mais difícil implementação. Isso porque cada cadeia de produção demanda um tipo de rastreabilidade. 

“A grande questão da rastreabilidade do boi, por exemplo, é conseguir chegar até a origem. É uma dificuldade porque é uma commodity que anda, então é preciso instrumentos que permitam acompanhar a vida desse animal, do nascimento ao abate”, diz Galvão.

Existe uma expectativa de que os dados de rastreabilidade para fins sanitários do plano federal lançado esta semana sejam integrados à Plataforma Agro Brasil + Sustentável neste terceiro módulo. A política vai obrigar que até o fim de 2032 todos os animais que transitarem pelo país tenham um brinco para rastreá-lo.  

O grande desafio do setor pecuário é a pulverização, com o animal passando por diversas fazendas ao longo da vida. “Os frigoríficos conhecem  seu fornecedor direto, mas essa fazenda tem outros fornecedores, é aí que está o gargalo, que o próprio setor também está trabalhando para resolver”, diz o advogado. 

No caso de grãos, há desafios técnicos e logísticos para evitar a mistura de grãos de áreas com e sem conformidade. A legislação antidesmatamento da União Europeia, por exemplo, exige que haja segregação física dos grãos, não permitindo uma prática chamada de balanço de massa – nela, o produtor certifica que produziu determinada quantidade de grãos de acordo com os requisitos, mas no armazenamento ou no embarque os grãos podem ser misturados com outros fora da conformidade. 

“A Europa quer que aquela tonelada que foi produzida conforme seja efetivamente entregue no porto”, explica Galvão.

Incentivo

A princípio, dois tipos de produtores devem aderir à plataforma. Os que hoje já possuem as certificações de boas práticas ambientais (PI e BPA) e com isso acessam crédito do Plano Safra com juros reduzidos. E produtores que compõem cadeias de exportação, principalmente para a Europa. 

Para Guyot, da Imaflora, o sucesso da iniciativa depende de um arranjo setorial, envolvendo indústria, governo e instituições financeiras, para atrair a adesão do produtor rural. 

“Também é preciso desenhar políticas públicas que viabilizem a resolução dos passivos identificados, realizar a integração com as bases de dados estaduais prevista e promover uma boa estratégia de comunicação para informar e engajar os produtores dos benefícios da adesão”, afirma. 

Ela cita exemplos dos programas estaduais do Pará e Mato Grosso que já fazem isso. Neste último, o Programa de Reinserção e Monitoramento (Prem) monitora a regeneração de áreas desmatadas ilegalmente nas propriedades pecuárias no Estado, dando condições facilitadas para que produtores resolvam irregularidades ambientais.