A transição para uma pecuária de baixo carbono e zero desmatamento é um grande desafio para pequenos produtores de regiões mais críticas da Amazônia. Dados do Acervo Fundiário do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) apontam que o bioma possui cerca de 2.600 assentamentos que abrigam quase 400 mil famílias.
Em 2023, estas áreas assentadas, apesar de representarem apenas 8% do território, responderam por 24% de toda a perda florestal na região. Além disso, o último Censo Agropecuário do IBGE revelou que 78% das propriedades geridas por agricultura familiar têm pecuária.
Dada essa realidade, o Fundo JBS pela Amazônia criou o JUNTOS: Pessoas + Floresta + Pecuária, projeto que fomenta modelos de negócios mais atrativos para os pequenos produtores, que evitem o desmatamento, aumentem a renda e que possam ser escaláveis dentro da cadeia da pecuária.
O programa tem como objetivos recuperar pastagens degradadas, promover transparência e rastreabilidade ao longo de toda a cadeia, aumentar a produtividade e, consequentemente, reduzir as emissões de gases do efeito estufa da pecuária local.
“Ao oferecermos condições econômicas e sociais, é possível reduzir a pressão por abertura de áreas”, diz a diretora do Fundo JBS pela Amazônia, Andrea Azevedo. O programa calcula que, em áreas intensificadas, onde se cria mais gado em menos espaço, a rentabilidade pode aumentar até seis vezes.
Nos próximos dez anos, o Fundo JBS pela Amazônia prevê um investimento de R$ 100 milhões no JUNTOS. Neste período, o plano é apoiar cerca de 3.500 famílias da Amazônia Legal e recuperar mais de 50 mil hectares de pastagens. O programa pretende alavancar mais de R$ 900 milhões via blended finance nos próximos dez anos.
Barreiras da região
Alguns obstáculos bastante específicos distanciam o pequeno produtor da Amazônia do manejo adequado. Um deles é a falta de acesso a crédito de investimento com prazos e taxas de juros compatíveis ao retorno esperado para a recuperação de pastagem, dado que esse é um financiamento de mais longo prazo e mais difícil de conseguir. Na região Norte, o percentual de agricultores familiares com acesso a crédito é de apenas 9%, segundo estudo do CPI/PUC-Rio.
“Esse grupo não tem recurso para investir em reforma de pastagem. Quando o solo se esgota, ele procura nova área de floresta porque a conta não fecha. Além de melhorar o acesso deste pequeno produtor ao capital, precisamos criar soluções para que o negócio seja mais produtivo e rentável a médio e longo prazo”, diz Azevedo.
A diretora explica que este é um dos motivos pelos quais o objetivo é que os modelos propostos pelo JUNTOS se tornem autossustentáveis e financiados pelo sistema de crédito público e privado.
Outro gargalo a ser considerado é a escassez de assistência técnica e extensão rural (Ater) para a agricultura familiar. Azevedo afirma que, para isso ser solucionado, é preciso haver uma aliança entre o setor público e privado, além de colaboração da sociedade civil. “Financiamentos climáticos são bem-vindos para apoiar esses mecanismos. Sem uma solução, essa transição para os produtores fica mais difícil, uma vez que se encontram em uma condição mais vulnerável nas cadeias de valor.”
Modelos que envolvem a comercialização podem ter mais êxito para o pequeno produtor, já que, hoje, esse grupo não chega até o frigorifico, gerando uma condição de dependência a intermediários dentro da cadeia. Essa relação nem sempre cria o estímulo correto para produção de um animal com mais qualidade.
Existe ainda um outro desafio: a conformidade na regularização ambiental e fundiária. “A falta de ambos inviabiliza a permanência na cadeia formal de negócios”, explica a diretora.
Recria mais rentável
O primeiro modelo de negócio desenhado, lançado como piloto há um ano, testa um sistema de recria de gado com rentabilidade mais alta para os pequenos produtores. O parceiro do Fundo JBS pela Amazônia à frente do projeto é a empresa Rio Capim Agrossilvipastoril.
Na região, cerca de 47% dos bezerros vêm de pequenos e médios agricultores. O problema é que a fase de cria, que vai até o sétimo ou nono mês de vida do animal, costuma ser mais cara e de menor retorno financeiro. “A ideia é ter um elo com mais acesso às tecnologias responsável por esta fase”, explica Azevedo.
A cria é feita pela Rio Capim, em um modelo intensificado dentro de uma área recuperada com sistemas agrossilvipastoris. Nesta fase é implementado um mecanismo de rastreabilidade individual que garante a conformidade produtiva desde a origem.
Os bezerros são então cedidos ao pequeno produtor rural, para ele seguir a fase de recria – período após o desmame. Os animais ganham peso nos 12 meses seguintes e, ao fim deste período, o pequeno produtor recebe o retorno financeiro baseado no ganho de peso obtido. Isso é dividido com a Rio Capim, de acordo com o investimento feito pelo negócio na propriedade (assistência técnica, preço do bezerro, outros). Por fim, os bovinos são encaminhados para fazendas de engorda ou para confinamentos.
O modelo desonera o pequeno produtor da complexidade e do risco embutidos na cria. “Nós dividimos o ganho na produção do garrote e do boi gordo. É uma boa alternativa para o produtor aumentar o volume de gado por hectare sem precisar se endividar ou se capitalizar para renovar sua produção”, diz Valmir Ortega, CEO da Rio Capim Agrossilvipastoril e sócio da Belterra.
O piloto está em teste com 25 produtores no Estado do Pará para depois ganhar escala “Sabemos que, em uma região imensa como a Amazônia, só existe impacto se houver escala, mas primeiro é preciso testar a robustez do modelo”, diz Azevedo.
RestaurAmazônia transforma vidas no Pará
A transamazônica paraense é uma das regiões que mais concentra o desmatamento em assentamentos rurais na Amazônia. A Superintendência do Sul do Pará, por exemplo, abrange 505 assentamentos e concentra 55% do desmatamento em 25 deles. Com esta alta concentração, mesmo ações voltadas a um número reduzido de assentamentos críticos podem ajudar na recuperação da floresta.
Desde 2021 o Fundo JBS pela Amazônia financia o RestaurAmazônia, com investimento de R$ 25 milhões. A iniciativa, que inspirou a elaboração do programa JUNTOS, é considerada o maior projeto voltado para a agricultura familiar da Amazônia. Coordenada pela Fundação Solidaridad com cofinanciamento da Elanco Foundation, o projeto promove a agricultura de baixo carbono com a implantação de agroflorestas, aliada à pecuária sustentável e à conservação florestal.
“O projeto já envolveu mais de 1.300 famílias de Novo Repartimento, Anapu e Pacajá. Até o momento, 44 mil hectares de área produtiva estão sob boas práticas e mais de 22 mil de área de florestas foram conservados. Foram implementados mais de 1 mil hectares de Sistemas Agroflorestais e mais de 500 hectares de pecuária intensificada com sistema rotacionado”, afirma o diretor de país da Fundação Solidaridad, Rodrigo Castro.
Lucileide Braga, liderança e agricultora do Tuerê há 27 anos, conta que o RestaurAmazônia ajudou a promover uma grande mudança no assentamento. “A paisagem aqui era outra. Com a assistência técnica e boas práticas, cuidamos melhor do solo, diversificamos a economia de uma forma mais planejada”, ela diz. Desde a implementação, a agricultora registrou um salto de 30% na produtividade tanto do cacau quanto da pecuária.
Para Azevedo, o êxito desses projetos depende da inclusão das pessoas no processo. “Elas não podem ser esquecidas nessa transição para uma economia de baixo carbono. Caso fiquem de fora do processo, corremos um sério risco de agravar ainda mais as desigualdades socioeconômicas na Amazônia.”
Sobre a marca:
O Fundo JBS pela Amazônia é uma organização sem fins lucrativos criada em 2020 para recuperar áreas degradadas e apoiar modelos inclusivos e rentáveis que geram valor para a floresta em pé.