ANÁLISE

De Belém em diante, toda COP do clima será financeira

Brasil tem se tornado um laboratório de inovações para fechar a conta do financiamento climático, atraindo a atenção de países e investidores

De Belém em diante, toda COP do clima será financeira
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Baku, Azerbaijão – Os eventos dentro da COP que tratam sobre regulação financeira são uma raridade – mas talvez o painel realizado por entidades brasileiras na quarta-feira da semana passada seja o sinal de uma mudança iminente.

Ana Toni, a secretária nacional de Mudança Climática, mencionou algo que observa nas delegações oficiais de outros países. “A gente nota muitas pessoas da área de meio ambiente. Às vezes, tem um pessoal de finanças, mas parece que eles não falam a mesma língua.”

Se Belém vai inaugurar uma nova fase das conferências do clima, com menos negociação e mais implementação, os ministros que frequentam COPs terão de estar em sintonia com seus colegas das Finanças.

Os US$ 300 bilhões anuais que compõem a nova meta global de financiamento não chegam perto do que é necessário para a transição e a adaptação climática do mundo em desenvolvimento.

Outro US$ 1 trilhão, também por ano, terá de vir do setor privado. 

Como chegar a esse US$ 1,3 trilhão é uma das tarefas que a COP29 entregou para seus sucessores. Junto com o Azerbaijão, o Brasil ficou incumbido de preparar um roadmap de Baku a Belém que mostre um caminho.

A missão é difícil e terá de ser completada em um ano. É pouco provável que ela resulte em respostas concretas – economistas dedicam carreiras inteiras a estudar o assunto. 

Mesmo assim, os brasileiros podem dar contribuições importantes. Experimentos pioneiros estão sendo testados, e ideias que pareciam não parar em pé estão tomando forma. Belém será uma oportunidade de mostrar tudo isso ao mundo.

 Pilotando

O programa EcoInvest, lançado em fevereiro, foi idealizado para contornar barreiras estruturais e crônicas que tiram o interesse dos grandes investidores pelo mundo em desenvolvimento. Um dos mais importantes é o alto custo de capital.

A primeira operação voltada a contornar isso foi fechada no começo de outubro. Um leilão do Tesouro para acessar linhas de crédito subsidiadas atingiu entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões, o que deve alavancar R$ 45 bi em recursos privados estrangeiros para projetos verdes.

Um dos critérios para a concessão do crédito subsidiado foi a capacidade de alavancagem de dinheiro internacional. Acelerar esse fluxo Norte-Sul é uma das chaves para a transição energética de países de renda média alta.

O Brasil gera quase 90% de sua eletricidade com fontes renováveis, uma exceção entre pares do mesmo nível de desenvolvimento econômico.

A Indonésia, que fica uma posição atrás do Brasil no ranking dos maiores emissores do mundo, queima carvão para gerar 62% da sua energia elétrica, e outros 18% vêm de térmicas movidas a gás.

Em sua passagem pelo Rio de Janeiro para a cúpula do G20, o presidente indonésio, Prabowo Subianto, afirmou que o país pretende aposentar todas as termelétricas a carvão até 2040.

Mas um plano de transição de US$ 20 bilhões anunciado em 2022 pelo governo anterior do país, com apoio da ONU e financiamento do Japão, ainda não deu os resultados esperados.

Somente 2% dos recursos foram doações; o restante foi concedido na forma de empréstimos, mais de três quartos a taxas de mercado – e ainda são necessários outros US$ 80 bilhões para fechar a conta.

Proteção cambial

Avinash Persaud, assessor especial de mudança climática do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), disse em entrevista ao Reset há um ano não acreditar nesse modelo.

Um dos motivos, segundo ele, é a volatilidade cambial. A África do Sul, que também enfrenta um enorme desafio para transformar sua matriz energética, fechou uma parceria semelhante à dos indonésios.

Persaud foi a inspiração do mecanismo de hedge cambial mais barato que integra o programa Eco Invest. As experiências brasileiras, que estão em fase de desenvolvimento para implementação entre Banco Central, Tesouro e BID, serão observadas com atenção em outras economias emergentes que enfrentam o mesmo problema de flutuação nas taxas de câmbio.

Florestas para sempre

A maior contribuição que o Brasil pode dar para a mitigação dos efeitos da mudança climática é reduzir o desmatamento – e mantê-lo sob controle.

Essa é a ideia central do Tropical Forest Finance Facility (TFFF), um fundo que pretende remunerar os países que cuidam de suas florestas tropicais, mais uma inovação financeira desenhada pelo Brasil e que está sendo analisada com lupa mundo afora, tendo ganho até mesmo uma menção na declaração final da cúpula do G20, no Rio.

Do ponto de vista do investidor, trata-se de um veículo convencional, de baixo risco e com retornos compatíveis com o que se encontra no mercado internacional.

As inovações estão na outra ponta. A primeira é a combinação de recursos de longo prazo tomados de países desenvolvidos junto com doações filantrópicas, para absorver eventuais primeiras perdas e dar segurança para que grandes quantias sejam captadas (fala-se em US$ 125 bilhões).

A outra, talvez de maior impacto, é como se calcula como serão distribuídos os lucros entre os países que aderirem ao TFFF. Em vez de complicados cálculos de carbono estocado em biomassa, a medição se baseia na comparação de fotos de satélite.

Quem conseguir comprovar a preservação é remunerado – diretamente, sem burocracias. Quem não tomou conta da sua floresta é penalizado. O compromisso é apenas com uma governança estrita do uso dos recursos.

Essa última parte também consta da decisão adotada na COP29. O texto reforça a importância de “reduzir entraves, desafios e barreiras ao acesso das finanças climáticas”.

O funcionamento do TFFF foi detalhado pela primeira vez em julho. O governo pretende fazer o anúncio oficial em Belém, com países parceiros e possivelmente os primeiros investidores.

 Pé no acelerador

Não necessariamente todas essas iniciativas terão sucesso ou poderão ser facilmente replicadas. A maior parte dos países que precisam de recursos com urgência são pobres, afetados desproporcionalmente por tragédias climáticas e não têm estabilidade econômica e um sistema financeiro sofisticado como o brasileiro.

Mas difícil não significa impossível, diz Sara Jane Ahmed, diretora executiva do V20, um grupo que reúne os 70 países mais economicamente vulneráveis do mundo.

A maior preocupação para esses países, que somam 1,7 bilhão de habitantes, é tornar suas infraestruturas mais resilientes. São eles que demandam doações ou capital concessional para que assim comecem a pensar no investidor estrangeiro.

A imensa maioria do financiamento climático vai para atividades que reduzam emissões, como projetos de energia limpa. Os países pobres precisam de dinheiro para construir (e cada vez mais reconstruir) o básico. Essas ações de adaptação não são vistas como algo lucrativo pelo investidor.

Ahmed diz que essa ideia pode ser enganosa. “Adaptação é um bem público global, com implicações de segurança alimentar, logística e continuidade dos negócios”, disse ela ao Reset. “Essa dimensão ainda não é bem capturada.”

O mesmo vale para a biodiversidade desses países. As empresas começam a dar os primeiros passos para entender o valor do capital natural. O sistema financeiro internacional deveria fazer o mesmo, diz ela.

“Temos que olhar para a reforma das agências de crédito. E as análises de sustentabilidade do FMI precisam incorporar capital natural, riscos climáticos e necessidade de investimento dos países.”

Toda COP é COP do financiamento

“A COP não é uma conferência que fala de meio ambiente”, diz André Castro, especialista em direito internacional e diretor técnico da Laclima, uma associação de advogados focados em política climática. “Ela fala sobre distribuição de despesas para a descarbonização.”

A Convenção do Clima da ONU não tem mandato nem se propõe a passar receitas para os países. Mas, com o Acordo de Paris, ela montou um sistema que, refletido nas políticas nacionais das quase 200 partes, pode evitar que a crise climática que já enfrentamos não se agrave ainda mais.

As peças estão no lugar: as NDCs são as metas nacionais de descarbonização, que buscam evitar o pior. Outro dispositivo – que ainda é aprimorado – trata da adaptação dos países às mudanças climáticas. Há dois anos foi criado um fundo de perdas e danos, para dar conta dos inevitáveis prejuízos que já começaram a ocorrer.

Finalmente, em Baku, foi revista a meta de financiamento global, que vai permitir que essa máquina comece a rodar – o que depende da entrada para valer do capital privado.

As negociações que acontecerão em Belém dizem respeito unicamente aos governos nacionais. Mas sem o resto do elenco – os atores financeiros, da sociedade civil, da ciência e assim por diante – quase nada sai do papel.

Alguns slogans já foram ventilados para Belém: a COP da ambição, das NDCs, da implementação, das pessoas. No fundo, será mais uma COP das finanças – e é bom prestar atenção nos sinais que ela vai mandar para o mundo.