A crise de integridade que atinge o mercado de carbono voluntário há alguns anos continua tendo efeitos sobre os preços. É o que mostra novo relatório da Systemica, desenvolvedora brasileira de créditos de carbono, que destaca a sobreoferta e o alto estoque daqueles que têm sua eficácia questionada.
No terceiro trimestre deste ano, os preços médios ficaram em torno de US$ 4,80 por crédito, uma queda de 18% em relação ao segundo trimestre. O relatório considera créditos de restauração da natureza (que incluem reflorestamento), eficiência energética, conservação florestal (conhecidos como REDD+), reduções de emissões de gases de efeito estufa além do CO2 (como metano em aterros sanitários) e os de energias renováveis.
Cada crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 evitada ou removida da atmosfera.
“O que temos hoje é um estoque antigo de créditos, que foram gerados em outra realidade de mercado, com outras metodologias. Esse mercado tem menor preço e representa a maioria das transações que abrangemos no relatório”, disse ao Reset o CEO da Systemica, Munir Soares.
Os preços variam conforme o tipo de projeto e a credibilidade percebida pelos compradores. No Brasil, os REDD+ são os mais representativos em quantidade, e seus preços variam de centavos a US$ 20, de acordo com Rodrigo Fernandez, analista de inteligência de mercado da empresa.
Até setembro, foram transacionados cerca de 100 milhões de créditos neste ano. Para construir o relatório, a Systemica usa bases de dados e registros públicos das transações bilaterais.
Olhar adiante
A expectativa da Systemica é de que haja uma movimentação positiva no preço a partir do primeiro semestre de 2025, com sinais de fortalecimento da demanda, afirma Soares.
Um dos motivos para o otimismo é o recém-aprovado projeto de lei que cria o mercado regulado de carbono. O órgão gestor do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões vai aprovar metodologias que geram créditos para que elas sejam usadas por empresas que precisam fazer compensações – mas o sistema deve levar alguns anos para entrar em funcionamento.
Outro fator foi a aprovação pelo ICVMV de duas metodologias da certificadora Verra – que, junto com a Gold Standard, é responsável por verificar 80% dos créditos gerados no mundo – para o desenvolvimento de créditos REDD+.
“Essa aprovação é muito importante porque dá confiança ao mercado de que os bons movimentos estão sendo realizados”, diz o executivo. Para ele, a aprovação valida mudanças para a maior integridade dos créditos de desmatamento evitado como um todo.
“Os preços potencialmente vão voltar para os patamares que víamos antes da crise reputacional, acima de US$ 10, e vamos acabar vendo talvez até um aumento de liquidez. Já temos visto um aumento de procura por REDD, que pode, com esses novos créditos, acabar acomodando a demanda aberta pela queda na procura por energias renováveis.”
Ainda não há créditos gerados conforme as metodologias aprovadas pelo ICVCM. Novos projetos poderão utilizá-las desde o princípio, e os existentes terão de fazer uma migração para poder receber o selo de qualidade.
Encolhimento
Entre julho e setembro, foram emitidos 227 milhões de novos créditos, segundo a Systemica, quedas de 3% e 0,5% em relação a 2022 e 2023, respectivamente. A taxa de crescimento de novas emissões tem apresentado um declínio constante desde 2021.
O mercado tem reagido à queda de preços, tanto desenvolvedores, quanto certificadoras. Segundo Fernandez, as certificadoras têm revisto suas metodologias, o que contribuiu para o atraso de novas emissões.
Na prática, isso quer dizer que, apesar do grande estoque de créditos acumulados, ele vem sendo alimentado em um ritmo cada vez menor nos últimos meses. Essa taxa de crescimento de oferta diminuiu de 48% para 18% entre 2021 e 2023 – e a projeção é de que caia para 10% neste ano.
A oferta total de créditos ao fim do terceiro trimestre era de 1 bilhão de unidades, segundo a Systemica.
Mais integridade
Depois de escândalos envolvendo questões fundiárias e desrespeito às comunidades indígenas, além de denúncias que exageraram os benefícios ambientais dos projetos, os compradores têm reavaliado o seu portfólio de créditos de carbono.
Os de energia renovável, por exemplo, em meio às revisões, não atingiram os critérios de alta integridade do Integrity Council for the Voluntary Carbon Market (ICVCM), entidade que busca reconquistar a confiança no mercado voluntário.
“Houve um redirecionamento da demanda desses créditos para outros projetos. Em especial, para os de remoção de CO2, dos quais o mercado tem uma percepção de garantia de integridade”, afirma Fernandez.
Ainda há um grande volume de créditos de energia renovável sendo transacionados e aposentados, uma vez que as estratégias de empresas para descarbonização tendem a ser de longo prazo e, portanto, eles já fazem parte das carteiras. Mas a tendência é que haja uma queda significativa ano a ano, diz o analista.
De acordo com análise da MSCI Carbon Markets, quase metade dos créditos disponíveis hoje no mercado estão entre os níveis mais baixos de integridade, enquanto apenas 7% atendem os critérios para o mais alto nível.