Baku, Azerbaijão – Enchentes devastadoras há dois anos obrigaram 8 milhões de paquistaneses a abandonar suas casas. Dos 33 milhões de afetados, estima-se que metade eram crianças. Mais de 1.700 pessoas morreram. As perdas econômicas foram estimadas em US$ 14,8 bilhões.
Em junho passado, os termômetros marcaram 47°C em Karachi, e a umidade elevou a sensação térmica a 49°C. Mais da metade dos 20 milhões de moradores da cidade, a maior do país, mora em favelas. A onda de calor durou dias, e ventiladores não funcionaram por boa parte do tempo, porque faltou luz.
O Paquistão é um país quebrado. Fundo Monetário Internacional aprovou um pacote de US$ 7 bilhões ao país em setembro, depois de um empréstimo emergencial concedido no meio do ano passado para evitar um calote. Em seis décadas, o país precisou de socorro financeiro 24 vezes.
Em diferentes proporções, a tragédia paquistanesa se repete em outras dezenas de países pobres e vulneráveis à mudança do clima. Que perspectivas existem diante do duplo golpe do endividamento devastador e dos eventos extremos potencializados pelo aquecimento global?
A resposta começa com dinheiro, o assunto central da COP29. O financiamento oferecido aos paquistanese sob a rubrica de clima veio na forma de mais empréstimos. “Para mim, isso é criminoso”, disse ao Reset Rumina Khurshid Alam, ministra do Meio Ambiente do país. “É uma violência com essas pessoas vulneráveis.”
“Por que não temos acesso mais fácil aos recursos? Falam em preencher essa ‘lacuna’ de financiamento. Não é uma lacuna. É uma armadilha.”
Dos 240 milhões de habitantes do país, 40% vivem abaixo da linha da pobreza – 8,5 milhõe de pessoas engrossaram a estatística como resultado direto das enchentes de 2022, estima o Banco Mundial. O PIB per capita do Paquistão é de US$ 1,6 mil, o que o coloca na 158ª posição no ranking mundial (o do Brasil, US$ 10,3 mil, é o 80º).
Crises econômicas sucessivas e catástrofes naturais condenam os país mais pobres – e menos responsáveis pela crise do clima – a um ciclo negativo que se retroalimenta e impede qualquer perspectiva de desenvolvimento, diz Alam.
Este é o argumento central dos países mais pobres nas negociações de Baku. A chamada Nova Meta Quantificada Global (NCQG), afirmam eles, deve incluir não apenas um valor – algo como US$ 1,3 trilhão por ano –, mas também as condições.
Hoje, o compromisso é de US$ 100 bilhões anuais, um total que foi atingido somente uma vez. Uma análise da ONG britânica Oxfam sobre os números de 2022 apontou que, dos US$ 116 bilhões reportados pelos países ricos como finanças climáticas, menos de um terço configurou doações. Todo o restante estava sujeito a algum tipo de condição.
Alam conversou com a reportagem no fim da tarde de quarta-feira, com as negociações em curso. Elas continuavam na manhã desta quinta longe de um caminho claro para uma resolução.
O modelo cebola
Uma das propostas na mesa é o que vem sendo chamado de modelo “cebola”. As camadas centrais seriam compostas por algo entre US$ 100 bilhões e US$ 400 bilhões, em recursos do orçamento dos países industrializados e contando também o fluxo entregue via bancos multilaterais.
A maior parte do dinheiro viria do setor privado, entre financiamento de projetos e mecanismos que barateiem o custo de capital em países que hoje só conseguem acessar financiamentos a taxas de juros exorbitantes.
Diante das realidades fiscais na maior parte do mundo, além da perspectiva de um abandono da cooperação por parte dos EUA de Donald Trump, é consenso que a conta superior a US$ 1 trilhão só fecha com fontes públicas e privadas.
Amal afirma não ser contra a ideia. “Não queremos caridade. Queremos comércio, estabilidade, força. Mas você sabe como as coisas funcionam. As coisas importantes acontecem no nível dos governos nacionais. E eles estão pensando só no próprio bolso.”
Ela também menciona as operações de swap: abater dívidas soberanas em troca de investimentos climáticos dentro dos países. Segundo o Programa de Desenvolvimento da ONU, 58 das nações mais suscetíveis à mudança do clima têm de pagar quase US$ 500 bilhões aos seus credores até 2027.
Alguns países, como as Ilhas Seychelles, já fecharam acordos do tipo. A ideia é um dos pilares da Iniciativa de Bridgetown, que propõe uma reforma do sistema financeiro internacional. “Por que não fazem conosco?”
E amanhã?
Para as pequenas ilhas do Pacífico, a mudança do clima representa uma ameaça existencial: elas podem se tornar inabitáveis ou economicamente inviáveis.
Num país como o Paquistão, um dos oito detentores de arsenal nuclear, o impacto é outro. Projeções oficiais indicam que a população sob risco de enchentes catastróficas pode aumentar em 5 milhões de pessoas entre 2035 e 2044.
Mudanças no regime de chuvas, além de causar tragédias humanas, também afetarão a produção agrícola. A combinação de eventos extremos, destruição de ecossistemas e poluição do ar podem reduzir a riqueza gerada pelo país entre 18% e 20% até 2050, segundo cálculo do Banco Mundial.
Em Islamabad e em dezenas de outras capitais espalhadas pelo mundo, a mudança do clima é uma urgência – de longo prazo.