Parlamento Europeu adia lei antidesmatamento, mas mexe nas regras e renova incertezas

Legislação, que afeta diretamente o agronegócio brasileiro, agora prevê ‘áreas sem risco’ e deve entrar em vigor em dezembro de 2025

Parlamento Europeu adia lei antidesmatamento, mas mexe nas regras e renova incertezas
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O Parlamento Europeu aprovou o adiamento da aplicação da lei antidesmatamento proposto pela Comissão Europeia há um mês. Na sessão desta quinta-feira (14), os parlamentares também aprovaram novas emendas, vistas como uma tentativa de diminuir o rigor da norma, que renovaram as incertezas entre empresas e investidores sobre a legislação.

Na votação de hoje, foram 371 votos favoráveis ao adiamento por um ano, 240 contra e 30 abstenções. A princípio, a lei passaria a valer no dia 30 de dezembro deste ano, mas agora será estendida para o fim de 2025 para grandes empresas e para 30 de junho de 2026 para as pequenas e médias. 

Por conta das mudanças, no entanto, o adiamento será oficializado depois que o novo texto receber o aval do Conselho Europeu e ser publicado no Diário Oficial. 

“A extensão do prazo de 12 meses já havia sido acordada pela Comissão, que apresentou a proposta, e pelo Conselho Europeu. Mas quando o Parlamento abre o texto e busca aprovação de coisas novas, ele mantém o processo legislativo rodando”, diz Bruno Galvão, advogado especialista da Blomstein.

Ao todo, foram oito as emendas aprovadas, sendo a mais polêmica a que altera a classificação de risco dos países. Uma nova categoria foi criada, a de países “sem risco” de desmatamento, que deve beneficiar os próprios países europeus e reacende novos questionamentos sobre protecionismo na Organização Mundial do Comércio (OMC), segundo especialistas. 

A lei antidesmatamento da União Europeia foi aprovada pelo Parlamento em abril do ano passado e determina que fornecedores de soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha e madeira – seja a commodity ou o produto derivado – para o bloco terão que comprovar que seus produtos não vieram de áreas desmatadas após o último dia de 2020.

Decisão aguardada

Como maior exportador do mundo de parte dessas commodities, o Brasil foi um dos beneficiados  pela prorrogação do prazo para atender à lei, junto à Indonésia e aos Estados Unidos, por exemplo. 

Os governos argumentaram que ainda não havia clareza sobre como cumprir as exigências de due diligence e que o prazo ao fim deste ano, previsto anteriormente, seria muito apertado. 

Na outra ponta, os próprios países da UE não tinham instrumentos para fazer a verificação. Ao exportar café para Alemanha, por exemplo, cabe ao exportador brasileiro apresentar toda a documentação necessária para comprovar a produção livre de desmatamento e ao comprador alemão checar as informações. 

“O adiamento traz algum conforto para UE e para os países [exportadores], como o Brasil, que estavam com dificuldades de atender às normas”, diz Yuri Rugai Marinho, CEO  da Eccon Soluções Ambientais. “A lei é bastante ambiciosa. Precisávamos de tempo, mas isso não significa que essa lei não seja urgente.”

A ONG internacional Global Witness estima que o atraso por 12 meses signifique o desmatamento de 150 mil hectares ligados ao comércio europeu das commodities sob a legislação. Essa área equivale à da cidade de São Paulo. 

Ainda há o risco de um segundo adiamento. A Comissão Europeia precisa criar um benchmark para a classificação dos países sobre o risco de desmatamento e degradação florestal. Essa lista e a plataforma de trocas de informações devem estar funcionando plenamente ao menos seis meses antes da entrada das regras em vigor, de acordo com nova emenda aprovada hoje. Caso contrário, a aplicação da lei é empurrada.

Jeitinho europeu?

Originalmente, a regulação previa três classificações de risco para os países: baixo, padrão e alto. Cada uma delas exige um nível de escrutínio diferente na comprovação de que aquele produto é livre de área de desmatamento. 

Agora, o Parlamento Europeu aprovou a classificação “sem risco” para países cuja área de desenvolvimento florestal permaneceu estável ou aumentou desde os anos 1990; são signatários do Acordo de Paris e de convenções internacionais pelos direitos humanos e conservação da floresta; e têm regulações nacionais que restringem o desmatamento ou promovam a conservação florestal, com transparência e monitoramento. 

Na prática, isso significa principalmente economias já desenvolvidas, como de países-membros da UE, que já não têm mais floresta porque passaram pelo processo de desmatamento antes. 

“A Europa volta a beneficiar a si mesma já que a maioria dos países europeus deve cair nessa categoria de ‘no risk’. Com isso, você facilita o processo de due diligence para esses países, enquanto dificulta para outros da América do Sul e África, que ainda vão ter que provar como sua legislação nacional funciona”, diz Julia Maillet Rocha Lenzi, gerente de ESG da Eccon.

Essa classificação será feita por um comitê europeu. No caso do Brasil, uma das principais discussões é por conta do desmatamento legal, permitido pelo Código Florestal. Na regra europeia não será permitido qualquer produto proveniente de área de desmatamento, ainda que ela seja legal no país de origem. 

O governo brasileiro terá que trabalhar intensivamente para garantir que sua classificação não imponha custos excessivos para o setor privado nacional cumprir os requisitos de due diligence, afirma Adriana Mattos, advogada sênior de ESG no escritório Mattos Filho. “A expectativa é que se consiga pautar muitas das obrigações em documentos e informações que já têm que ser prestadas ao poder público por conta da nossa regulação, como questões ligadas à regularidade florestal e ao licenciamento ambiental”, diz. 

Tópico polêmico

As novas emendas também reacenderam o debate sobre a regra estar em desacordo com as regras da OMC, uma vez que, com a nova classificação, poderiam apresentar um ganho ou vantagem financeira ou comercial especialmente para os países europeus. 

“A União Europeia usa o princípio de igualdade, mas há um desequilíbrio entre os países. O efeito da lei antidesmatamento é baixíssimo na própria UE em comparação ao restante do mundo”, disse Roberta Jardim, sócia de direito ambiental e ESG do Cescon Barrieu.

As emendas foram apresentadas pelo grupo do Partido Popular Europeu (PPE), que retirou várias delas pouco antes da votação na plenária. Uma previa o adiamento por 24 meses em vez de um ano, por exemplo. 

A adição da categoria ‘sem risco’ ainda terá de ser debatida no Conselho. Por ora, o sentimento é de que existe um senso de urgência para que esse ponto, junto à oficialização do adiamento, sejam feitas nas próximas semanas, antes da lei entrar em vigor.