JiveMauá divulga riscos socioambientais de ativos aos investidores

Especializada em investimentos alternativos, gestora cria sistema de avaliação próprio; metas relacionadas à concentração desse risco na carteira são próximo passo

JiveMauá divulga riscos socioambientais de ativos aos investidores
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Risco financeiro, risco de crédito, risco operacional. Todos esses são velhos conhecidos das equipes de análise de investimentos das gestoras de recursos. São avaliados para fazer a conta: potencial de ganhos menos o de perdas. Se o saldo for positivo, o investimento é recomendado. 

Os riscos socioambientais, porém, costumam ficar ocultos. Quando se materializam geram prejuízos financeiros às empresas, para além de danos ambientais e sociais – os R$ 167 bilhões que as mineradoras Vale, BHP e Samarco terão que desembolsar para reparar os danos do rompimento da barragem em Mariana (MG) estão aí de prova. 

É esse tipo de risco que a gestora JiveMauá quer identificar e, se possível, mitigar no processo de decisão de um novo investimento. A gestora incluiu, no último ano, esses riscos na análise do comitê de investimentos e agora passou a reportá-los aos 250 mil investidores de seus fundos, nos relatórios mensais das carteiras.

“Tentamos antecipar a materialização de riscos socioambientais no nosso portfólio, tanto para prevenir despesas e prejuízos financeiros, como impactos negativos no meio ambiente e na sociedade”, diz Juliana Pacheco, diretora de ESG da JiveMauá, que tem R$ 19 bilhões sob gestão.

Resultado da fusão da Jive Investments com a Mauá Capital, a gestora criou sua área de ESG em 2023 para identificar e monitorar esses riscos, abastecer os times de investimentos e agora também medir a concentração de risco do portfólio. Antes disso, tinha políticas internas com diretrizes do que é um risco socioambiental dentro de sua área de compliance.

A gestora precisou desenvolver um sistema próprio, pois é especializada em investimentos alternativos, como fundos de crédito distressed (dívida de empresas em recuperação judicial), estruturados, high yield (alto risco de crédito), além de fundos de infraestrutura e imobiliários, que não têm índices ESG de referência no mercado, como os fundos de ações, por exemplo.

“Não são operações típicas, como um fundo de private equity ou de ações, que têm um padrão para fazer a avaliação ESG. Nas nossas operações, na maioria das vezes, estamos lidando com empresas que não são listadas na bolsa, não temos essa referência”, diz Pacheco. 

Para construir esse sistema, a JiveMauá contratou a consultoria Tendências. A quatro mãos, construíram uma matriz de impacto e probabilidade para medir o potencial de materialização do risco socioambiental. 

“Tudo isso muito apoiado no framework da IFC [International Finance Corporation, braço do Banco Mundial] e da União Europeia, principalmente de taxonomia”, diz a diretora. Por ser um investidor em fundos da JiveMauá, a IFC provocou a gestora e compartilhou sua experiência na área.

Processo decisório

A cada possível investimento, a área de ESG leva para o comitê de investimentos sua análise e a classificação de risco socioambiental sobre o ativo, assim como a área de riscos financeiros levam suas avaliações. 

A partir disso, a depender do tipo e valor da operação, o comitê avalia se é um risco socioambiental para evitar ou se ele pode ser precificado no ativo. “O nosso maior exercício hoje é tentar materializar, em um impacto financeiro, o potencial dano que a gente identifica por meio dessa classificação de risco”, diz a diretora de ESG. 

Hoje, as classificações de risco da gestora são: muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. 

Outra informação considerada é como fica a concentração de risco socioambiental do portfólio caso o investimento naquele ativo for aprovado. “A nossa provocação aqui é que no futuro a gente tenha metas relacionadas à concentração de risco socioambiental”, diz Pacheco.

Quando a área de ESG sinaliza um risco, são vários os caminhos possíveis. Um deles é propor uma solução para saná-lo, como condição para a realização do investimento. Segundo Pacheco, essa é a opção preferida. Um segundo caminho é propor mitigadores para evitar a materialização do risco.

Em alguns casos, a área ESG sugere que o investimento não seja feito. Quando esse é o caso, o comitê de investimentos precisa pedir o aval do comitê executivo para realizar o investimento.

“Conseguimos, assim, ter uma trava de governança para dar autonomia para a nossa área”, diz a diretora. “O comitê decide, junto com vários outros elementos, mas também com o socioambiental, fazer ou não o investimento.”

Na prática

Como isso acontece na prática?

A diretora conta um caso real, de uma negociação com um produtor rural que emitiu debêntures para financiar uma plantação. No processo de avaliação, foi identificado que uma das propriedades não respeitava a reserva legal.

“Em vez de orientar a equipe a não fazer o investimento, a gente sugeriu colocar uma condição de que ele precisa regularizar a reserva legal, sob pena de a gente poder, por exemplo, vencer antecipadamente a dívida e rescindir o contrato”, conta Pacheco.

O sistema da gestora busca ações, processos administrativos e penalidades relacionadas a infrações ambientais, além da emissão e validade de licenças nos órgãos competentes. 

Outro aspecto avaliado é o de tratamento e destinação de resíduos. Um dado que não entra na análise é o de emissão de gases de efeito estufa, devido à falta de dados públicos e confiáveis, segundo a diretora. 

A gestora usa uma ferramenta externa que reúne informações e conteúdos de fontes públicas. Além disso, os times de análise e ESG têm seus próprios rituais de busca de informação. 

No aspecto social, a gestora olha para relações trabalhistas e ambiente de trabalho. São buscados processos trabalhistas, judiciais e administrativos, listas restritivas, informações na imprensa e dados de sócios com mais de 50% de participação no negócio. 

Para além do CNPJ, se houver um imóvel envolvido na operação, seus dados também são levantados. “Muitas vezes, encontramos os riscos nesse tipo de ativo. É um trabalho investigativo”, diz Pacheco. 

Por ter fundos distressed, a gestora lida muito com empresas em reestruturação de dívida, que normalmente costumam ter ações trabalhistas. “Mas não são todas as ações trabalhistas que nos interessam no mundo socioambiental. A gente quer olhar para acidentes de trabalho, demissões em massa, casos de assédio”, diz Pacheco.

Dependendo do tipo de ativo, também é importante olhar o relacionamento com as comunidades do entorno. Recentemente, a gestora avaliou algumas usinas hidrelétricas. Foi preciso entender o território onde a unidade produtiva está inserida, a distância de terras indígenas, um aspecto considerado crítico. Empresas em listas de trabalho escravo são vetadas.