Nos últimos meses, ouvimos do Presidente da República a disposição de criar uma Autoridade Climática. A proposta inicial parece voltada para emergências, e vejo com bons olhos a criação de uma estrutura sólida para lidar com adaptação climática, que continua sendo uma enorme lacuna no nosso arcabouço de políticas.
Contudo, também surgiram ideias de que essa autoridade poderia assumir a execução do Plano Nacional sobre Mudança do Clima e, talvez, até a gestão do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), o instrumento-chave do mercado regulado de carbono.
Aqui, é importante trazer à tona uma reflexão inspirada pelo trabalho de Daron Acemoglu, cujas contribuições para a ciência econômica, premiadas com o Nobel de Economia de 2024, exploram como o desenho institucional molda o sucesso e a prosperidade das nações.
Acemoglu argumenta que instituições inclusivas, que promovem a inovação e a participação ampla da sociedade, são fundamentais para gerar crescimento econômico sustentável. Por outro lado, instituições extrativistas, que concentram poder e recursos em poucos grupos, tendem a sufocar o desenvolvimento e aumentar as desigualdades.
No contexto da criação do SBCE e da governança climática no Brasil, essas lições são extremamente relevantes. O desenho institucional que escolhermos agora determinará se nosso sistema será capaz de promover um mercado de carbono eficiente, justo e competitivo.
Precisamos evitar a armadilha de um modelo extrativista, que favoreça lobbies dos grandes emissores ou crie barreiras para segmentos mais vulneráveis. A estrutura de governança precisa ser inclusiva e flexível, permitindo a participação de diversos atores e setores da sociedade, ao mesmo tempo que assegura transparência e eficiência.
Foco
Nessa perspectiva, sugiro duas prioridades. Primeiro, que o Senado aprove o projeto de lei atual, mantendo uma governança simples e flexível, que possa ser moldada ao longo do tempo pelo Executivo.
Isso permitirá a evolução das funções de gestão do SBCE sem engessá-las em uma lei que possa se tornar ultrapassada. A governança precisa ser capaz de se adaptar às mudanças no cenário climático e econômico, garantindo que o sistema tenha a flexibilidade necessária para crescer.
Segundo, é crucial que o Poder Executivo federal promova um diálogo aberto com a sociedade sobre a governança climática. A criação de novas instituições – e aqui defendo que não seja apenas uma – pode ser uma excelente estratégia.
Na Austrália, apenas para dar um exemplo, existe uma autoridade responsável por implementar net zero no país, e outra independente, com cientistas responsáveis por avaliar a implementação do governo e soar alertas quando necessário.
No entanto, precisamos acertar no desenho institucional dessas “entidades”. A governança do SBCE, assim como de qualquer outra autoridade climática, vai moldar o futuro das nossas políticas. Se errarmos no desenho inicial, criaremos uma dependência de caminho difícil de corrigir.
Governança do mercado
Governança é um dos pontos mais sensíveis do Projeto de Lei do SBCE. A versão original do Senado propôs que o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) fosse o órgão superior do sistema, mas é importante considerar alternativas que possam garantir uma governança eficiente, sem infringir o princípio de que apenas o Executivo pode criar novas instituições.
A criação de um colegiado participativo e especializado para supervisionar o SBCE é uma opção promissora. Isso garantiria que o sistema fosse gerido de maneira técnica e transparente, envolvendo diferentes setores da sociedade.
Outra alternativa seria uma agência com status de autarquia especial ou uma nova secretaria dedicada ao comércio de emissões. Embora essas opções demandem investimento inicial, o ganho em autonomia e especialização no médio prazo compensaria amplamente.
Para a operação do SBCE, uma empresa pública é uma possível escolha, oferecendo agilidade e autonomia. Já para monitoramento, relato e verificação (MRV), a separação dessas funções é fundamental. Designar um órgão acreditador, como o Inmetro, seria uma escolha acertada para garantir a credibilidade do sistema. Há estudos buscando jogar luz sobre essas possibilidades.
Finalmente…
O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões tem o potencial de cobrir até 18% das emissões nacionais, oferecendo uma solução de mercado para reduzir as emissões de setores regulados ao menor custo social possível. Mas para que o sistema funcione, precisamos de um marco legal sólido e de uma governança que garanta eficiência e integridade.
O atual projeto de lei é um bom ponto de partida, mas ainda carece de aprimoramentos em áreas cruciais, especialmente no que diz respeito à sua governança. Defendo que isso não seja resolvido 100% pelo Congresso, e sim após a sanção. É preciso aprovar o PL o quanto antes.
O tempo está se esgotando. Não só para a crise climática, mas também para a competitividade do Brasil no mercado internacional. O SBCE pode posicionar o país de forma competitiva em um cenário global que cada vez mais precifica o carbono. O Congresso Nacional precisa adotar uma postura mais assertiva e garantir a aprovação dessa regulação sem mais atrasos.