OPINIÃO

REDD+ e a água do banho: não podemos jogar fora os créditos de carbono

O sistema que remunera quem protege as florestas tem problemas e precisa de aperfeiçoamentos – mas não pode ser destruído

Madeira extraída ilegalmente na Amazônia
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A expressão popular “jogar fora o bebê com a água do banho” ilustra perfeitamente o cenário atual em torno do mercado voluntário de carbono e, mais especificamente, do mecanismo REDD+ (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal).

O REDD+ tem sido alvo de ataques que, em vez de focar na correção de suas fragilidades, ameaçam desmantelar uma das ferramentas mais eficazes que temos para a mitigação das mudanças climáticas.

Ao destruir o REDD+ e o mercado voluntário de carbono, corremos o risco de perder um “bebê” fundamental para o combate ao desmatamento e às emissões de gases de efeito estufa. Estaremos jogando fora algo de imenso valor ambiental e social. Embora o sistema tenha falhas, o caminho não é sua destruição, mas seu aperfeiçoamento.

O REDD+ foi desenvolvido como um mecanismo para incentivar a conservação florestal, compensando financeiramente países e comunidades que mantêm suas florestas em pé, em lugar de permitirem sua degradação ou desmatamento. Visa não apenas reduzir emissões de carbono, mas também promover benefícios adicionais, como a preservação da biodiversidade e a melhoria das condições de vida de comunidades locais.

Agilidade e foco

Enquanto assistimos o Brasil e suas florestas queimando, temos visto a eficiência de projetos REDD+ no combate aos incêndios, preservando todo ecossistema do território protegido enquanto seu entorno arde em chamas.

Eles envolvem a criação de brigadas de incêndio, com capacitação e equipamentos, que têm evitado a invasão do fogo das áreas vizinhas. Há também o monitoramento com imagens de satélite e patrulhas terrestres.

Somente neste ano, contivemos quatro incêndios no Mato Grosso, Pará e Acre. No Projeto Ahu, em Paranatinga (MT), o caso mais grave, o fogo foi contido em um dia, mas queimou 600 dos 32 mil hectares de área do projeto.

As imagens de satélite mostram que nossos projetos se tornaram ilhas de floresta cercadas de fogo. No Pará, são ao todo 169 mil hectares protegidos, equivalente a quase o tamanho do Distrito Federal. A soma das iniciativas em Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia é de 353 mil hectares.

O mercado voluntário de carbono, ao permitir que empresas compensem suas emissões, canaliza recursos financeiros essenciais para a preservação de florestas em países em desenvolvimento. Sem esses modelos, a proteção de ecossistemas seria financeiramente inviável em muitas regiões, como hoje já estamos presenciando.

As soluções oferecidas pelo REDD+ são mais rápidas de implementar em comparação às mudanças estruturais complexas em setores como o de energia ou de transporte.

Além de combater o desmatamento, o REDD+ oferece oportunidades de desenvolvimento sustentável para as comunidades que vivem nas florestas. Muitos projetos de crédito de carbono geram empregos e promovem o fortalecimento das economias locais, ao mesmo tempo em que ajudam a proteger a biodiversidade e os recursos naturais.

A ocupação da Amazônia foi motivada pela exploração de seus recursos naturais. Lá vivem famílias de madeireiros, por exemplo, há gerações. Muitos dos nossos parceiros são filhos e netos de madeireiros, ou eles próprios exerceram essa atividade.

Graças aos nossos projetos, abandonaram a extração da madeira e hoje geram receitas conservando as florestas em suas propriedades. A eliminação desse instrumento significaria também a perda dessas oportunidades econômicas e sociais – e a possível volta dos beneficiados a atividades depredatórias.

Aperfeiçoar, não destruir

Como qualquer sistema, o REDD+ não é perfeito. Eventuais críticas e questionamentos são legítimos, e os problemas precisam ser resolvidos. No entanto, o que está em jogo é o aperfeiçoamento dos projetos, e não sua destruição.

Nenhuma dessas falhas é insuperável; na verdade, muitas já estão sendo abordadas com a evolução dos padrões de certificação e com o uso de tecnologias de monitoramento mais avançadas.

Infelizmente, muitos dos ataques ao REDD+ e ao mercado de carbono são levianos e imaturos. Em vez de se concentrar em melhorias necessárias, as críticas se propõem a destruir todo o sistema, muitas vezes sem oferecer uma alternativa realista.

É aqui que a metáfora “jogar fora o bebê com a água do banho” se aplica de forma mais clara: o fim do REDD+ teria consequências desastrosas tanto para o clima quanto para as comunidades que dependem desses projetos.

O mercado de carbono e o REDD+ são ferramentas em evolução. À medida que novas metodologias e tecnologias surgem, as inconsistências devem ser corrigidas e o sistema pode se tornar ainda mais robusto.

Sem o REDD+, o que restaria? O aumento do desmatamento, da extração de madeira, de garimpo e das emissões de carbono seria uma realidade inevitável em muitas regiões.

Governos e empresas que dependem de incentivos financeiros para a conservação florestal perderiam esse suporte, e as emissões globais aumentariam consideravelmente. Ou seja, ao destruir o REDD+ sem propor uma alternativa eficaz, estaríamos intensificando a crise climática.

* Jeronimo Roveda é diretor de relações institucionais da Carbonext