Nas maiores empresas do Brasil, diversidade ainda fica no discurso, aponta Ethos

94% dos líderes concordam que políticas afirmativas são importantes, mas presença de mulheres e negros pouco avança na cúpula

Nas maiores empresas do Brasil, diversidade ainda fica no discurso, aponta Ethos
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Entre a intenção e a ação vai uma longa distância. Essa é a realidade da pauta de diversidade e inclusão das maiores empresas brasileiras, captada por uma das mais abrangentes pesquisas sobre o tema realizadas no Brasil.

A edição 2023-2024 do Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas, realizado pelo Instituto Ethos e publicado hoje, aponta que quase 94% dos líderes das maiores empresas do país concordam que é fundamental haver políticas e ações afirmativas para ampliar oportunidades e a representação de mulheres no mercado. E 78% declaram ter, em suas companhias, medidas voltadas especificamente para a promoção da igualdade de gênero. 

Mas, a despeito da maior consciência sobre o tema, nos últimos oito anos a atuação das mulheres dentro de empresas aumentou pouco, especialmente em cargos de liderança. Quadros executivos seguem formados majoritariamente por homens, com uma presença de apenas 27,4% de mulheres. 

O mesmo se repete quando analisada a representatividade de pessoas negras, com deficiência e LGBTI+. Ainda que tenha havido avanços importantes, eles ainda acontecem em um ritmo lento, e com um enorme afunilamento hierárquico.

“Os dados confirmam que, definitivamente, diversidade e inclusão é um tema que está na pauta destas empresas”, diz Ana Lucia de Melo Custodio, diretora-adjunta do Ethos. 

“A percepção dos executivos quanto à sua relevância aumentou bastante, assim como à de que ainda há muito a ser feito. Mas fomos surpreendidos negativamente pelo ritmo com que as mudanças vêm acontecendo.”

Aplicado pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), o perfil deveria acontecer a cada três ou quatro anos. Mas, por conta da pandemia de covid-19, a nova edição do perfil sai oito anos depois da anterior, de 2015. O levantamento consultou representantes das 1.000 maiores empresas e das 100 principais instituições financeiras do Brasil, segundo critérios adotados pelo jornal Valor Econômico em seu anuário de 2022. 

Funil hierárquico

Os dados do estudo mostram que a diversidade é muito maior nos cargos de entrada, como os de trainee e estagiário, enquanto em posições de liderança os índices caem bastante. Quanto mais alto o cargo, mais o “perfil padrão” do homem branco acima de 45 anos predomina.

Em 2015, os conselhos de administração das empresas consultadas pelo Ethos eram formados por 89% de homens e 11% de mulheres. Na nova edição, os números avançaram para 81,4% e 18,6%, respectivamente, compondo um quadro melhor, mas ainda muito distante da realidade do país, cuja população é composta por 51,5% de mulheres. 

Enquanto nos conselhos houve um aumento de participação das mulheres de apenas 7,6 pontos percentuais, entre os trainees o salto da presença feminina foi maior – de 57,4% (2015) para 72,5%.

“O afunilamento hierárquico ressalta a persistência das barreiras estruturais e sistêmicas, como o desafio de conciliar trabalho e família, as duplas ou triplas jornadas despendidas para o cuidado e afazeres domésticos e a forma como o mercado de trabalho encara a maternidade e a paternidade. Tais barreiras, além de limitar a ascensão profissional feminina, perpassam por severas violações de direitos materializadas na forma de preconceitos e discriminações, desigualdade, assédio, disparidade salarial e ausência de políticas estratégicas que transformem esse cenário”, diz o estudo. 

Entre pessoas negras, as diferenças de participação nos diferentes níveis hierárquicos são ainda maiores. Os quadros executivos são compostos por apenas 13,8% de negros (eram 4,7% em 2015). Já entre os trainees, os números passaram de 58,2% de negros, em 2015, para 70,8% no novo estudo. 

Interseccionalidade agrava desigualdades

O estudo do Instituto Ethos também lança um olhar importante sobre um tema ainda menos discutido dentro das empresas, a interseccionalidade. Ou seja, quando uma pessoa pertence a mais de um grupo de diversidade. Ela é uma forte barreira na promoção da diversidade.

“As desigualdades no ambiente corporativo são ainda mais evidentes quando ela acontece. E isso precisa virar foco de atenção”, defende Custodio.  O perfil aponta que, nas empresas consultadas, homens brancos são maioria (60,8 %) nos quadros executivos, enquanto mulheres brancas respondem por 23,5%. Já homens negros são 10% e mulheres negras, 3,4%. 

“O estudo é uma grande oportunidade para as empresas olharem para dentro, identificando gaps, ganhando mais transparência, construindo estratégias conscientes das especificidades de cada grupo e das interseccionalidades”, diz a diretora do Ethos. 

“É importante que as políticas e ações positivas ganhem capilaridade e que as mudanças estejam refletidas nos quadros das empresas, também em posições de liderança e na retenção destes profissionais.”

Uma novidade desta edição foi a inclusão do recorte de pessoas LGBTI+.

Não existe uma obrigação legal para essa mensuração, que ainda acontece de forma voluntária em algumas companhias. Das empresas que desenvolvem ações afirmativas de promoção de igualdade, 53,7% mapeiam a presença de pessoas LGBTI+ internamente. Nelas, cerca de 0,7% dos quadros executivos têm pessoas LGBTI+.

Para pessoas com deficiência, o avanço na inclusão também tem sido extremamente lento. Segundo o estudo, elas representam apenas 3,3% do total de pessoas empregadas nas maiores empresas do país. O Brasil tem desde 1991 uma lei que determina que empresas com mais de 1000 colaboradores devem ter 5% de profissionais reabilitados ou com deficiência habilitada. Das 1100 empresas ouvidas no estudo, 77,2% têm mais de 1.000 funcionários.

Diversity washing?

O cenário de maior diversidade em cargos de entrada do que nos de liderança não é realidade apenas de empresas brasileiras. A pesquisa Women in the Workplace 2024, publicada pela McKinsey em parceria com o LeanIn.org e realizada com 281 organizações americanas que empregam 10 milhões de pessoas, apontou que há 48% de mulheres em cargos de entrada, e 28% no C-Suite (executivos da alta liderança da empresa). 

O fenômeno foi batizado pela McKinsey como broken rung theory, ou teoria do degrau quebrado, aquele que impede as mulheres e outros grupos de trilharem a escala empresarial e subirem de cargos de nível inicial até os de liderança.

Outro termo que vem ganhando espaço é o diversity washing. Como o greenwashing, ele se refere ao engajamento real de cada empresa com a diversidade. As boas intenções, metas e políticas existem apenas no discurso, ou são colocadas em prática?

“Não podemos ainda afirmar se essa distância que vemos no estudo, entre conscientização e números reais, nos diferentes níveis hierárquicos, ficarão ou não apenas na intenção e no discurso”, diz Custodio. “Teremos de esperar os resultados do próximo perfil, daqui três ou quatro anos, para ver se eles se traduzem em mudanças.”