As rotas de descarbonização do setor imobiliário

Responsável por 40% das emissões de CO2, segmento sofre com riscos climáticos, mas tem muito a ganhar com novas tecnologias

Edifício em madeira engenheirada, técnica construtiva que substitui aço e concreto, materiais intensivos em carbono
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Fevereiro de 2023, Litoral Norte de São Paulo. Fruto de chuvas de dimensão histórica, um rastro de destruição se abateu sobre a região e seus efeitos irão perdurar no tempo mesmo em áreas mais afluentes que evitaram o impacto direto das cheias. O valor das residências na orla decresceu e qualquer tipo de seguro sobre elas se tornou mais custoso. 

E este fenômeno não é algo exclusivo do Brasil. Nos estados norte-americanos da Califórnia e Flórida, por exemplo, a renovação de seguros residenciais enfrenta grandes dificuldades por causa de eventos climáticos extremos. No primeiro, pelos incêndios cada vez mais extensos e que assolam com cada vez mais frequência o estado. No segundo pelas temporadas de furacões mais poderosos e frequentes.  

Onde mudanças climáticas interagem com o setor imobiliário, grandes efeitos patrimoniais podem ocorrer. Mas as consequências acima descritas são apenas uma parte da história. 

Agora, para entender o resto da história, é preciso conhecer como o setor imobiliário impacta o clima.

40%. Esta é a percentagem da participação do setor imobiliário nas emissões totais de CO2 no planeta que alimentam de forma acelerada as mudanças climáticas. Cerca de metade desse número vem de materiais usados na construção de novos ativos. Cimento, sobretudo, é aqui o grande responsável já que é a segunda substância mais consumida no planeta depois da água. 

Mas a operação dos ativos imobiliários é a outra metade e está relacionada à demanda de energia de todos os ativos imobiliários. 

A grande consequência é que, com 40% da pegada carbono originada pelo setor imobiliário, é inevitável que governos coloquem o setor na mira como forma incontornável de atingir metas de redução da emissão de CO2 nas suas economias. 

As regulações estão chegando e vão se acentuar no futuro. Regulações sobre novas construções começam a ser comuns em várias cidades norte-americanas. O Parlamento Europeu, por exemplo, acaba de aprovar uma lei que proíbe proprietários de imóveis comerciais de venderem ou alugarem os seus ativos caso eles tenham uma certificação de eficiência energética F ou G (numa escala onde A é eficiência máxima e G a pior classificação).  

Os efeitos patrimoniais no valor dos ativos podem ser consideráveis ao afetar o potencial de locação dos imóveis e, mesmo sem novas regulações, o próprio mercado já está impondo essas mudanças. 

Muitas multinacionais e grandes grupos nacionais já têm restrições em locar imóveis que não cumpram certas metas de eficiência energética e investidores crescentemente impõem a grupos operadores de imóveis (escritórios, shoppings, hospitais, hotéis etc.) relatórios detalhados sobre a pegada carbono dos seus ativos e quais estratégias estão adotando para a reduzir. 

Isso quer dizer que o valor dos ativos imobiliários pode sofrer grande desvalorização caso não sejam feitas as melhorias necessárias – sem falar na necessidade de reportar adequadamente os atributos ambientais desses ativos ao mercado.

Custos (e ganhos) de transição

A agenda de descarbonizar o setor imobiliário e de reduzir a sua pegada de carbono tem, sem dúvida, custos de transição. Ativos existentes precisam ser modificados e retrofitados e novos ativos precisam ser construídos de outra forma. Mas o potencial de ganho é inegável. 

Edifícios mais eficientes representam dinheiro no bolso para quem os detém. Novos materiais e técnicas diferentes de construção trazem benefícios à cadeia construtiva e redução do custo final. 

Além disso, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas que podem reduzir em muito os custos de transição. Edifícios mais inteligentes, novos materiais de construção, formas mais eficientes de produzir cimento e técnicas de construção que reduzem o uso de materiais. 

Inúmeras startups no mundo e no Brasil estão liderando essa mudança, trazendo tecnologias que não só podem trazer ganhos financeiros para todos os atores do setor imobiliário, como ajudar na concretização das metas de redução de carbono necessárias para reduzir a aceleração das mudanças climáticas a que assistimos.

Novos materiais e métodos construtivos

No capítulo de materiais de construção, por exemplo, reduzir a temperatura necessária nos fornos para produzir concreto e cimento é uma das grandes prioridades. Existem também muitas iniciativas de introdução de madeira engenheirada na construção, reduzindo as quantidades necessárias de concreto, sendo esta uma área onde o Brasil, dada a abundância de território para plantio de floresta, possui vantagens naturais. Na operação imobiliária, é possível reduzir em muito o consumo de energia e aumentar a vida útil dos equipamentos dos edifícios. 

No Brasil, muito da agenda climática é dirigida, corretamente, à questão da Amazônia e do desmatamento que ela sofre. Na raiz do problema está a dificuldade em dar preço a muitas das coisas que a árvore em pé dá à sociedade, como diversidade biológica, chuvas nas áreas agrícolas e nas bacias hidrográficas. Essa dificuldade faz com que, na ponta, para muitos, a árvore no chão tenha mais valor. Na madeira que é vendida, no espaço que é ganho para pastagem de gado etc. 

No setor imobiliário, que pode também dar uma grande contribuição às metas climáticas do Brasil, diferentemente da floresta, todos os elementos têm preço. Do cimento ao concreto, do aço ao vidro, da energia elétrica à manutenção. A agenda climática pode andar de braços dados com o benefício econômico. 

O papel do setor imobiliário nas mudanças climáticas vai ser um dos grandes temas da COP28 este ano, em Dubai. O país, que se assemelha a uma “bolha” de cimento no deserto, é um dos que mais constrói no mundo, mas onde este tema é mais debatido atualmente. No Brasil, a discussão está apenas começando. 

Diogo Castro e Silva é sócio da Finvest Climate. Antes, foi CEO Latam do Grupo Fosun, vice-presidente executivo no Banco Caixa Geral Brasil e diretor sênior de investimentos da IFC, do Banco Mundial, onde liderou investimentos em todo o Brasil, na África do Sul, Rússia, Balcãs e Turquia. É pós-graduado em Economia Financeira pela Universidade de Londres e licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa.