A startup que quer levar os créditos de carbono para o Cerrado

ERA quer levar projetos de conservação além da Amazônia — e encara desafio de preço para tornar vegetação em pé competitiva em relação à soja

A vegetação nativa do Cerrado, onde CBA e Votorantim geraram os primeiros créditos de preservação de áreas verdes
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Nos últimos anos, o número de empresas desenvolvendo projetos de carbono para conservação da floresta amazônica vem crescendo em velocidade exponencial. 

Agora, uma startup  quer levar a mesma lógica para conservar outro bioma ameaçado, mas menos pop no mercado internacional: o Cerrado. 

Pioneira em créditos de carbono na região, a ERA (sigla para Ecosystem Regeneration Associates) tem 18 mil hectares de projetos implantados, a maior parte deles num projeto em Niquelândia (GO), em terras da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA)

Há ainda mais 50 mil hectares em fase avançada de negociação — uma área ainda pequena, quando comparada aos projetos da Amazônia, onde cada um pode ter milhões de hectares.

Os desafios para desbravar esse mercado vêm tanto do lado da demanda, quanto da oferta. 

“Estamos num processo de mostrar o que é o Cerrado. É o [Hemisfério] Norte que compra os créditos, e eles não fazem ideia do que se trata”, afirma Hannah Simmons, CEO e fundadora da ERA. “Existem muitas empresas, multinacionais inclusive, que têm sua cadeia de fornecimento no Cerrado, mas essa conversa ainda anda muito devagar.”

A diferenciação em relação ao bioma é importante porque, para valer a pena, o crédito de carbono no Cerrado demanda um preço mais salgado, de cerca de US$ 30 a US$ 40 por tonelada. 

Hoje, os créditos de REDD+ – hoje quase uma exclusividade da Amazônia no Brasil – são negociados entre US$ 10 a US$ 15. 

A questão é tornar a vegetação nativa em pé competitiva em relação à soja. Enquanto na floresta amazônica o maior problema é o desmatamento ilegal, no Cerrado a dinâmica é diferente. 

“Estamos falando de uma metodologia de desmatamento planejado, em que o agente primário de desmatamento é o proprietário que está renunciando ao direito dele de desmatar e que, por isso, pode gerar um crédito de carbono”, afirma Simmons, num bom português. 

Nascida no Canadá e filha de um conservacionista que fazia projetos florestais no seu país de origem, ela veio para o Brasil em 2016, se apaixonou pelo país e fincou raízes no Rio de Janeiro. 

Pelo Código Florestal, apenas 20% da propriedade precisa ser conservada. Ou seja, o produtor pode escolher desmatar na área restante. Para manter a vegetação intacta, a conta precisa fechar. 

Fechando a conta 

Emplacar o prêmio nos créditos do Cerrado não é tarefa simples.  

A ERA começou a emitir seus primeiros créditos no fim do ano passado. Eles chegaram ao mercado num momento complicado, quando aumentou muito a desconfiança com os projetos de desmatamento evitado por conta de reportagens publicadas na imprensa internacional questionando a metodologia. 

“Até meados de 2022, os preços dos créditos vinham numa tendência de alta e era mais fácil começar a convencer os proprietários, mas no começo deste ano eles caíram bastante, o que naturalmente torna a venda mais difícil”, aponta João Daniel de Carvalho, advogado especialista em mudança climática e diretor de estratégia da ERA. 

Nos preços atuais, a empresa consegue sensibilizar proprietários que já têm algum viés conservacionista e veem a possibilidade de conseguir alguma renda com a área a ser preservada – inclusive para conseguir implantar sistemas de controle de fogo e outros mecanismos que ajudam a manter a vegetação em pé. 

Um dos grandes desafios é encontrar proprietários que tenham áreas relevantes de excedente de reserva legal. 

Outra diferença em relação à Amazônia é que o Cerrado tem menos densidade de carbono por hectare, o que implica que é necessária uma área mais ampla de conservação para emitir uma boa quantidade de créditos. 

“O preço de carbono hoje paga os custos [para fazer um projeto] a partir de um excedente de pelo menos 3 mil hectares, que já é bastante coisa”, aponta Simmons. 

A extensão necessária para fechar a conta também depende da região. Os maiores excedentes de reserva estão no Oeste baiano ou no Piauí, próximo à região de Caatinga, onde a vegetação é menos densa e, portanto, armazena menos carbono.  

“Nos preços de hoje, dá para fazer negócios nas zonas próximas à Amazônia – Tocantins, norte do Mato Grosso –, de cerrado denso, florestado”, diz a CEO. 

Argumentos de venda 

Sensibilizar o produtor rural ainda é um desafio cultural. “O que mais ouço é: ‘Minha vocação é produzir’ e eu consigo entender o argumento desse cara”, diz Carvalho. 

Além da conservação, aos poucos a ERA vem colecionando argumentos econômicos. 

“Tem uma agenda do produtor que quer explorar a terra dele, mas para fazer o gado, a soja, ele precisa de capital. E ele pode ganhar dinheiro com a floresta em pé numa área para produzir em outra”, afirma o diretor. “É uma forma de se capitalizar e diversificar as receitas.”

“Queremos que seja um capital que não fique só no loop ecológico, mas entre no modelo de negócio dele e sirva, inclusive, para dar o início a uma jornada de sustentabilidade na fazenda”, completa Simmons. 

Outro ponto relevante é a repartição de benefícios sociais. Na Amazônia, boa parte da renda dos projetos de carbono vai (ou ao menos deveria ir) para as comunidades tradicionais – que normalmente são os guardiões, senão os donos dos territórios. 

No Cerrado, a maior parte do dinheiro remunera o proprietário, mas na metodologia da ERA pelo menos 10% são destinados a cobenefícios de biodiversidade ou sociais. 

“É o que chamamos de ‘efeito Robin Hood’: pegamos uma parte do dinheiro do latifundiário para construir escola, para monitorar a fauna, para fazer um projeto de agrofloresta com a comunidade em volta”, diz Simmons.

Biodiversidade

Além dos créditos de carbono, a ERA quer se posicionar como uma desenvolvedora de projetos de pagamento por serviços ambientais. E acaba de lançar também seu primeiro produto voltado à biodiversidade. 

Trata-se de um “token” associado à proteção de espécies emblemáticas – ou “espécies guarda-chuva” no jargão do setor – feito em parceria com a certificadora Regen Network. 

Na prática, a ERA dá uma pontuação e mede o quanto um proprietário de terra fornece as condições para o desenvolvimento de espécies-chave em determinadas regiões. É o caso da onça-pintada em boa parte do Cerrado. 

“Começamos a perceber que as fazendas em que olhávamos para projetos de REDD eram santuários ecológicos que tinham onça-parda, onça-pintada. Essas espécies são indicadores de qualidade ambiental, estão lá porque tem um ecossistema saudável e esse ecossistema depende delas”, afirma Simmons. 

A metodologia avalia, por exemplo, se o proprietário tem medidas para cuidar da caça ilegal ou faz o manejo do fogo – o que pode evitar episódios como o que dizimou centenas de animais no Pantanal em 2019. 

Trata-se de uma forma potencial de remunerar também a área de reserva legal, que não é elegível para geração de créditos de carbono. “À medida em que o proprietário coloca atividades no projeto para amplificar a estadia dessas espécies, ele merece ser remunerado por isso”, afirma Carvalho. 

A metodologia está em consulta pública até o próximo dia 7, e já há conversas avançadas com uma empresa da área de transmissão de energia – que opera num corredor sensível para onças-pintadas – interessada nos tokens, afirma o executivo.