Quando escolhemos as escolas de nossos filhos e filhas, pesquisamos a metodologia pedagógica e coletamos uma série de informações para embasar, criticamente, a decisão. Somos diligentes porque sabemos que a decisão será muito importante para o futuro das nossas crianças.
Mas em outra esfera de nossas vidas nosso comportamento é outro. Não nos baseamos integralmente em informações para decidir sobre investimentos, ativos e instituições financeiras em que vamos alocar nosso suado dinheiro.
Se é verdade que o bolso é a parte mais sensível do corpo, por que não fazemos o mesmo exercício ao escolhermos a instituição financeira e os ativos que receberão o dinheiro que poupamos?
Uma hipótese é a dimensão psicológica de como encaramos as finanças. Fala-se pouco sobre dinheiro; não dividimos nem sequer com amigos ou familiares quanto ganhamos ou precisamos ganhar para mandar os filhos para a faculdade; não compartilhamos informações rasas ou complexas sobre o quanto amealhamos para a aposentadoria.
Decidimos colocar os recursos em um banco “sólido”, que nos apresente opções de retorno com uma boa experiência do usuário, sendo esta última cada vez mais importante no mundo digital em que vivemos.
Mas considere o lugar-comum que diz que “o dinheiro move o mundo”. Estamos falando do seu dinheiro.
Volumes consideráveis de recursos — que podem financiar o tráfico de armas, de drogas e de seres humanos; a corrupção e o terrorismo — passam pelo mercado financeiro tradicional.
Óbvio que é muito difícil levantar as cifras com exatidão, mas uma pesquisa realizada em 2020 dá uma pequena dimensão dos números. Transações envolvendo cerca de US$ 2 trilhões de dinheiro sujo passaram pelo mercado financeiro, de acordo com o International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ).
A fonte das informações são documentos secretos do FinCEN, Rede de Combate aos Crimes Financeiros, uma divisão do Tesouro dos Estados Unidos que combate lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Esses dados também podem ser lidos da seguinte forma: inadvertidamente, o nosso suado dinheiro pode ter sido depositado em um banco e eventualmente usado para financiar o tráfico de armas ou um grupo terrorista do outro lado do mundo.
Este é o nível de complexidade do sistema financeiro mundial atual, no qual o capital transita sem reconhecer fronteiras devido aos controles insuficientes.
Deixando de lado o dinheiro propriamente sujo — como é o caso do financiamento de atividades criminosas —, os recursos que depositamos em um banco podem estar sendo usados para financiar uma barragem de minérios que pode vir a estourar e matar um rio ou comunidades do entorno. Ou então para financiar a indústria do tabaco, ou a de armas.
De forma análoga, podemos pensar em fundos de investimento. Ao aportar recursos em um fundo de renda fixa (que tem crédito no portfólio) ou em um fundo de ações, os nossos recursos podem estar sendo usados para financiar uma usina termelétrica movida a carvão ou o desmatamento ilegal de um bioma.
Podemos, ainda, financiar uma empresa que é não suficientemente diligente com o respeito aos direitos trabalhistas na cadeia de fornecedores.
Sem entrar aqui no juízo de valor sobre cada uma dessas atividades, fica a pergunta: temos informações suficientes quando resolvemos investir os nossos recursos?
Há uma experiência interessante no mercado financeiro: o Triodos Bank, um banco fundado na Holanda em 1980, que possui filiais na Bélgica, Alemanha, França, Espanha e no Reino Unido. Com o slogan “Outra forma de usar o banco: contribua com o seu dinheiro para a transformação social, cultural e ambiental”, a proposta da instituição financeira é relativamente simples: emprestar dinheiro para empresas e projetos que causem uma transformação positiva na sociedade.
A ideia é dar apoio financeiro a negócios que causam impactos positivos. Isso vai de fazendas de geração de energia solar a escolas; passa por produções audiovisuais que valorizem a cultura de base e por hospitais; envolve de fazendas de produção de alimentos orgânicos a centros de cultura.
A grande beleza do modelo do Triodos Bank é que os clientes, os verdadeiros donos do dinheiro, têm transparência total sobre onde estão sendo alocados os recursos. O banco publica com frequência a carteira de crédito e os impactos gerados. Depositantes e investidores sabem para onde estão indo os próprios recursos.
Infelizmente, essa não é uma prática da maioria dos bancos. Costumamos nos sentar em frente a um gerente ou consultor de investimentos para receber parcas informações sobre as opções de retorno de investimentos e riscos envolvidos.
Na maioria das vezes esses profissionais não mostram em quais empresas determinado fundo está investindo e quais são as práticas sociais, ambientais e de governança delas.
Da mesma forma, quando nos são oferecidos CDBs (certificado de depósito bancário), LCIs (letras de crédito imobiliário) ou LCAs (letras de crédito de agronegócios) de bancos, nunca são mencionados os principais clientes financiados por aquelas instituições financeiras.
Não podemos colocar toda a culpa da situação no consultor ou gerente de investimento, é claro. Na verdade, toda a cadeia de incentivos é montada de forma que esse profissional seja guiado unicamente por metas de vendas e de captação.
Pouco importa se aquilo que está sendo vendido é justo ou não do ponto de vista social ou ambiental. Não se pensa nos impactos, positivos ou negativos, para a sociedade e para o meio ambiente.
Essa reflexão está em curso em diversos fóruns. Os órgãos reguladores, certamente, têm responsabilidade fundamental.
A Comissão de Valores Imobiliários (CVM), por exemplo, já avançou muito ao exigir, por meio da Resolução 59, que empresas listadas incluam nos formulários de referência informações sobre políticas ESG (ambiental, social e de governança).
De forma análoga, caminha nessa direção a iniciativa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) de criar regras e procedimentos para identificação de fundos de investimento sustentáveis.
O questionamento central deste artigo pede reflexões importantes sobre processos de transparência e também sobre nossa responsabilidade como cidadãos para construir um mundo melhor, mais fraterno, mais sustentável ambientalmente e menos desigual.
Responsabilidade é, nesta lógica que defendo, a atitude chave. Se decidirmos ser mais conscientes como consumidores; mais diligentes como eleitores; e mais sustentáveis como usuários dos recursos naturais, deveríamos ser mais responsáveis e diligentes como investidores.
Se o dinheiro move o mundo, ele jamais mudará para a direção correta, a que queremos, se não formos atentos no que investimos.
>> Luciano Gurgel é diretor-executivo da Artemísia, pioneira em aceleração de negócios de impacto. É bacharel em economia e trabalhou por mais de 15 anos em diversas instituições financeiras, com passagem também pela Yunus Negócios Sociais