(Atualizada para incluir a informação de que a Bradesco Asset é signatária da Pcaf, corrigida no estudo da Nint)
O Brasil terá que investir dezenas de bilhões de reais para conseguir cumprir seus compromissos climáticos até 2030. Para canalizar esses recursos, o sistema financeiro precisa estar alinhado ao objetivo.
Um dos grandes obstáculos para chegar lá é que os donos do dinheiro não parecem preocupados com isso. Até agora, os maiores investidores institucionais do país – o que inclui fundos de pensão fechados, empresas de previdência privada, seguradoras, fundações, e family offices – não se comprometeram com a descarbonização de seus portfólios.
Levantamento feito pela consultoria Nint com 15 dos maiores ‘asset owners’ mostra que nenhum deles é signatário dos três principais compromissos globais existentes: a Net Zero Asset Owners Alliance, que reúne investidores institucionais do mundo todo, a Science-Based Targets Initiative (SBTi), que avaliza planos de descarbonização com base em dados científicos, e a Partnership for Carbon Accounting Financials (Pcaf), que define parâmetros para medir e reportar as emissões de carbono financiadas pelos portfólios de investimentos.
E apenas a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, que tem ativos de R$ 248 bilhões, faz parte da iniciativa brasileira Investidores pelo Clima, criada para engajar investidores institucionais e gestores de fundos na agenda de descarbonização.
Asset owners, ou proprietários de ativos, são entidades que gerenciam investimentos em nome de participantes, beneficiários ou da própria organização, e incluem fundos de pensão, endowments, fundações e fundos soberanos. Eles se diferenciam dos asset managers (gestores de fundos), que cuidam do dinheiro de clientes.
Na lista pesquisada pela Nint estão as empresas de planos de vida e previdência Brasilprev, Bradesco e Itaú, com ativos entre R$ 200 bilhões e R$ 320 bilhões cada uma; os fundos de pensão Petros (R$ 109 bi) e Funcef (R$ 94 bi), além das fundações Bradesco (R$ 65 bilhões) e Itaú (R$ 5,6 bi).
Também fazem parte do levantamento alguns dos maiores gestores de fortunas em operação no país: Julius Baer, com R$ 37 bi; G5 Partners, com R$ 24 bi; UBS Consenso, com R$ 12 bi e Turim, com R$ 10 bi.
No quesito de reporte e transparência, nenhum deles apoia oficialmente a Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), que se tornou a principal referência de padrão para que empresas possam medir e divulgar os riscos financeiros (e oportunidades) relacionados ao clima.
O diagnóstico faz parte de um estudo mais amplo encomendado pela organização filantrópica inglesa Climate Arc, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS), com o objetivo de fazer um retrato das finanças climáticas no Brasil.
A Climate Arc foi criada a partir da constatação de que o financiamento climático no mundo não está avançando na velocidade necessária para atingir as metas do Acordo de Paris e seu objetivo é ajudar a destravar esses fluxos de capital.
A organização escolheu o Brasil como uma das geografias onde pretende atuar e encomendou o estudo para embasar sua estratégia inicial de atuação.
“A contribuição dos asset owners para uma economia net zero ainda é limitada pela falta de transparência, compromissos e advocacy relacionados ao clima. Suas estruturas de governança raramente incluem parâmetros de sustentabilidade, sendo ainda mais difícil encontrar abordagens relacionadas especificamente a clima”, conclui a Nint no relatório.
Para Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de baixo carbono do ICS, esse hiato mostra que existe uma grande oportunidade de trazer capital para o financiamento climático ao engajar esses asset owners.
Seguradoras e gestores de fundos
No campo das finanças privadas, também foram avaliados os compromissos assumidos por seguradoras, gestores de fundos e bancos.
Entre as 10 maiores seguradoras brasileiras (que foram separadas dos asset owners por causa da regulação específica), o quadro não é muito diferente: nenhuma delas submeteu metas ou planos climáticos à SBTi ou se comprometeu a medir e reportar sua pegada de carbono segundo os parâmetros da Pcaf.
Mas 12 seguradoras brasileiras fazem parte da iniciativa Principles for Sustainable Insurance (PSI) e a filial local da alemã Zurich integra a aliança brasileira Investidores pelo Clima.
Já entre os dez maiores gestores de fundos, nenhum deles assumiu compromissos e apresentou planos de descarbonização perante o SBTi e apenas BTG Pactual Asset, Itaú Asset, Santander Asset e Bradesco Asset aderiram ao Pcaf, segundo o levantamento da Nint.
Seis das dez maiores gestoras respondem ao questionário do CDP, que serve de padrão para divulgações ambientais. São elas: Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa, BTG e XP. E apenas duas apoiam o TCFD (Bradesco e Itaú).
“Para que as gestoras se comprometam com o clima, precisamos que os donos dos ativos queiram. Hoje, as casas de gestão mais expostas a investidores europeus estão mais adaptadas. Mas aquelas que têm como clientes principalmente investidores domésticos estão na zona de conforto”, diz Pinheiro, do ICS.
Os bancos
Num país em que o crédito bancário equivale a mais de duas vezes o tamanho do mercado de investimentos via fundos como fonte de financiamento, a fotografia dos bancos é um pouco melhor do que a dos investidores institucionais – embora não chegue a ser animadora.
Entre os maiores bancos, apenas o Banco do Brasil se comprometeu com metas de descarbonização baseadas na ciência perante o SBTi.
Bradesco e Itaú fazem parte da Net-Zero Banking Alliance e divulgam as emissões de carbono financiadas por seus portfólios de acordo com o Pcaf.
Outros bancos que se comprometeram com a Pcaf são BV, Pan, BTG Pactual e XP, sendo que apenas este último já divulgou as emissões financiadas.
Na frente de reporte e transparência, cinco bancos aderiram à divulgação de riscos climáticos de acordo com a TCFD: Bradesco, Banco do Brasil, Itaú, Pan e BTG.
Pontos cegos
Num estudo paralelo ao da Nint, e também encomendado pela Climate Arc, a associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) identificou diversas fragilidades nas práticas ambientais na concessão de crédito e na transparência dos bancos sobre o tema.
Por exemplo, as bases de dados de desmatamento no país, que são de acesso gratuito, online e atualizadas, nem sempre são usadas pelos bancos.
Quando usadas, aplicam-se principalmente a empréstimos rurais e não fazem parte dos pré-requisitos checados no caso de outros segmentos da economia que também têm fazendas em sua cadeia de valor.
A verificação da legalidade do desmatamento é ainda mais limitada. Mesmo se os bancos restringem apenas o desmatamento ilegal em suas políticas de crédito, costumam checar essa informação de forma inapropriada – consultam bases de dados online federais, sendo que esse tema pertence ao mandato das agências ambientais estaduais.
Segundo a SIS, os bancos não informam como os riscos climáticos afetam a avaliação de risco de crédito e as taxas de juros cobradas nos empréstimos.
Foram analisados os sete maiores bancos – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, BTG Pactual e Safra –, os dois maiores bancos cooperativos (Sicoob e Sicredi) e o Rabobank Brasil, responsáveis por mais de 80% do mercado brasileiro de empréstimos.
“O Brasil tem potencial para se tornar um líder mundial em financiamento climático, e muitas instituições financeiras públicas e privadas já estão ativamente envolvidas com isso”, diz a executiva chefe da Climate Arc, Meryam Omi.
Mas ela destaca que existem gaps importantes.
Um exemplo, diz Omi, é que a maior parte dos fluxos de financiamentos ligados ao clima no Brasil fluem atualmente para soluções energéticas, mas a agricultura e o uso da terra são as maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa do país e possivelmente os setores com maior potencial para apoiar a meta brasileira de descarbonização.
Omi diz que a Climate Arc já começou a trabalhar para criar um centro de pesquisa de financiamento climático no país, cujo desenho está sendo debatido com atores locais.