Um consórcio de nove bancos globais, entre eles o brasileiro Itaú, está investindo US$ 45 milhões num marketplace para negociação de créditos de carbono, que deve começar a operar em abril.
Batizada de Carbonplace, a rede quer destravar o mercado, dando mais transparência à formação de preços e facilitando o acesso à compra e venda de compensações de gases de efeito estufa.
Baseada na tecnologia de blockchain, a solução não é exatamente nova – há diversas empresas, como a brasileira Moss, que tentaram usar a chamada tokenização para democratizar os créditos.
Mas o Carbonplace aposta na credibilidade das instituições financeiras para dar mais confiabilidade ao processo. Os bancos é que plugarão os clientes na plataforma e serão responsáveis pela liquidação financeira das transações.
“Para operar no marketplace, tanto o comprador quanto o vendedor tem que passar necessariamente pela due diligence dos bancos, que são entidades reguladas”, afirma Maria Belen Lousada, head de novos negócios do Itaú BBA.
O projeto vem sendo gestado há quase dois anos, inicialmente com quatro participantes: o Itaú, o inglês NatWest, o canadense CBIC e o National Australian Bank. O banco brasileiro coordenou a parte inicial de desenvolvimento tecnológico, por meio de seu braço de ativos digitais.
No último ano, além de rodar diversos pilotos, outros cinco sócios se juntaram à iniciativa: os europeus BNP Paribas, UBS, Standard Chartered e BBVA, além do braço financeiro do asiático Sumitomo.
A lógica foi unir potenciais geradores de crédito com os compradores.
Enquanto o Brasil e a América Latina têm um amplo potencial para atender a demanda por crédito de carbono necessária para atingir as metas do Acordo de Paris nas próximas décadas, os grandes compradores estão no Hemisfério Norte.
“Precisávamos de uma rede de bancos que conseguisse assegurar essa demanda [por créditos] com transparência, segurança e conectividade”, diz Losada. Segundo ela, a plataforma está em conversas para a entrada de bancos americanos para garantir também o acesso a empresas dos Estados Unidos.
A nova companhia será liderada por Scott Eaton, um profissional com ampla experiência em desenvolvimento de infraestrutura para mercado de capitais.
Com um passado na área de trading e crédito de grandes bancos, mais recentemente ele foi chefe de operações e um dos primeiros funcionários da MarketAxess, uma plataforma popular no mercado de renda fixa corporativa, além de ter fundado e comandado startups no setor.
Como vai funcionar
Como um marketplace tradicional, o Carbonplace vai fazer a ponte entre as empresas interessadas em comprar o crédito e desenvolvedores de projetos de carbono que queiram vendê-los, com um banco sempre como parte da transação.
Os bancos farão o cadastro dos clientes na plataforma, o que significa que as empresas usuárias terão que passar pelo processo de ‘know your client’ das instituições financeiras – isto é, processos de compliance que procuram garantir que o cliente não está envolvido em nenhuma transação ilegal, ou em lavagem de dinheiro.
Essa era tanto uma dor dos compradores, que queriam ter garantia sobre a idoneidade de quem está vendendo os créditos, quanto do próprio Verra, o maior registro de créditos de carbono no mercado voluntário, com o avanço das empresas de cripto sobre o mercado.
Como numa bolsa, os vendedores colocam a oferta de certa quantidade de créditos por um valor determinado e os compradores fazem uma contraproposta. Quando chegam a um acordo sobre preço, os volumes e as cotações ficam disponíveis para todos participantes, ainda que a identidade das partes seja preservada.
Hoje, esse mercado é essencialmente analógico, com os acordos firmados de forma bilateral, sem um benchmark bem estabelecido para as cotações e com contratos complexos, que acabam afastando tanto compradores quanto vendedores de menor porte e menos sofisticados.
“Os clientes relatam que fazer uma compra de crédito de carbono é quase uma mini operação de M&A. É muito complexo, envolve muitos atores para ser feito da maneira correta e tem um risco reputacional enorme de se comprar algo com irregularidade”, afirma Losada.
No Carbonplace, os clientes terão um contrato padrão para entrada na plataforma e outro contrato, baseado nesse primeiro, entre o banco e o usuário do sistema.
A liquidação da transação é feita pela conta de cada empresa nos bancos. “O dinheiro não circula no Carbonplace, circula entre os bancos”, afirma Losada.
A remuneração da plataforma vai acontecer por meio de tarifas por uso do sistema e transações – e deve ser “bem razoável”, nas palavras do Itaú, para incentivar a entrada de muitos players no mercado.
A ideia é que o marketplace comece a operar em abril, com transações firmadas entre os bancos fundadores. Em junho, os bancos passam a negociar créditos em nome de seus clientes e, em setembro, a plataforma será aberta para transações de cliente para cliente.
O plano é ir além dos sócios originais. Haverá a figura do ‘user bank’, que poderá se plugar à plataforma, pagando uma tarifa pelo uso do serviço. “Queremos trazer o maior número de bancos possível, que vai trazer o maior número de clientes”, diz a executiva.
Blockchain
O sistema do Carbonplace foi construído de forma a ter anuência das principais plataformas de registro de créditos de carbono. No ano passado, o Verra proibiu uma prática que era amplamente utilizada por empresas de criptomoedas, como a Toucan Protocol e a brasileira Moss.
Para transformá-los em ativos digitais negociáveis em suas plataformas sem que houvesse dupla contagem, essas companhias “aposentavam” os créditos no Verra – um expediente usado normalmente apenas quando as empresas usam os créditos efetivamente para compensação, tirando-os de circulação.
No Carbonplace, os créditos em negociação ficam ‘imobilizados’ dentro da conta da plataforma no Verra. Eles são transformados em tokens – representações digitais do ativo – que vão para a carteira digital do vendedor.
Quando uma transação é fechada, eles são transferidos para a carteira do comprador. Só quando essa empresa usa os créditos para compensação de suas emissões é que o Carbonplace dá baixa na sua conta no Verra.
Por ora, a plataforma está conectada apenas ao Verra, mas o plano é plugar também outras centrais de registro, como a American Carbon Registry, o Gold Standard e o recém criado GCC, dos países árabes.
Qualidade dos créditos
Apesar de garantir um funil mais estreito para o compliance legal dos participantes do mercado, o Carbonplace não dá um selo de ‘qualidade’ para os créditos de carbono do ponto de vista de sua efetiva contribuição para evitar ou capturar a emissão de gases de efeito estufa.
Essa é uma das principais dores do mercado, num momento em que os compradores estão colocando o pé no freio e questionando se os projetos estão cumprindo sua função.
“Nossa abordagem vai ser trazer o maior nível de informação possível para o cliente a respeito dos projetos, com transparência de preço, para que ele possa escolher”, diz Losada.
A plataforma está em conversas para plugar informações de agências de rating que têm surgido para dar notas de qualidade para os projetos de carbono, como BeZero e Sylvera.