Na GranBio, uma nova chance com biocombustíveis para aviação

Fundada há dez anos, quando a bolha do etanol celulósico estava prestes a estourar, empresa de Bernardo Gradin aposta nos voos de baixo carbono

Bernardo Gradin, CEO da GranBio
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Com um atraso de mais de dez anos, Bernardo Gradin acredita que sua enorme aposta no etanol de segunda geração finalmente está pronta para se pagar.

Quando o ex-CEO da Braskem fundou a GranBio, em 2011, o setor de biocombustíveis avançados vivia o “final de um período de euforia”, nas palavras dele próprio.

Empresas que prometiam os combustíveis renováveis do futuro valiam mais de US$ 1 bilhão na bolsa, mas havia dois problemas fundamentais.

Em primeiro lugar, a tecnologia para usar os resíduos para obter uma segunda extração de etanol, além do método tradicional de fermentação, ainda não estava pronta para a produção em grande escala. Era um processo complicado e caro demais.

Mas a lição mais importante, na opinião de Gradin, foi outra: faltou combinar com os compradores. A expectativa da empresa é que haveria uma demanda garantida, a partir da criação de regras que obrigassem a mistura de etanol. 

Só que elas demoraram para se materializar, diz o empresário. “Esses mandatos são importantes, mas aprendemos que não dá para contar só com eles.” Somadas as dificuldades técnicas de produção, era difícil para os clientes da GranBio justificar o alto preço desse etanol de segunda geração, ou E2G.

Agora o cenário muito diferente. A necessidade urgente da descarbonização da economia, em muitos casos imposta por meio de regulamentações, deu início a uma corrida por combustíveis de baixas – ou até mesmo zero – emissões de gases de efeito estufa.

Depois de mais de uma década fazendo um pouco de tudo, do desenvolvimento da tecnologia básica à operação de biorrefinarias, Gradin está se concentrando nos SAF, sigla em inglês para os combustíveis sustentáveis de aviação.

Em janeiro, uma subsidiária da GranBio nos Estados Unidos recebeu uma subvenção de US$ 80 milhões de dólares do Departamento de Energia do governo americano para montar uma planta de demonstração da sua tecnologia.

Matérias-primas como restos de madeira e resíduos da moagem da cana serão transformados primeiro em E2G e depois em bioquerosene, que pode ser usado em aviões sem que a necessidade de adaptações nos motores. 

A GranBio precisa de outros US$ 140 milhões para colocar a unidade em pé, e Gradin afirma que as conversas com potenciais investidores já estão em andamento (parte do capital virá da própria empresa).

A expectativa é que a planta seja inaugurada em meados de 2026 e produza anualmente de 6 milhões a 8 milhões de litros de SAF, o equivalente ao consumo dos voos da ponte aérea entre Rio de São Paulo durante um mês.

Depois de comprovada a viabilidade técnica da operação nessa escala intermediária, o modelo pode ser replicado em tamanho comercial –  potencialmente em qualquer lugar do mundo onde haja biomassa de baixo custo.

Dessa vez, não faltarão clientes, acredita o empresário. A Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) estima que os diversos tipos de SAF serão responsáveis por dois terços da contribuição para que a aviação atinja o net zero em 2050.

Isso se traduz em 8 bilhões de litros já em 2025 e 450 bilhões em 2050.

Longo caminho

Para ficar com uma parte desse enorme mercado, a GranBio passou por um processo de reorganização no ano passado. Parte da motivação foi financeira.

“Tenho muito mais aprendizado e cicatriz do que história de lucro para te contar”, diz Gradin.

A empresa teve resultado positivo apenas em um de seus 11 anos de história. Segundo o balanço mais recente, de 2021, a dívida líquida era de R$ 570 milhões. (Os números do ano passado serão divulgados nos próximos dias.)

Mas o empresário afirma que a venda recente de dois ativos representou um “turnaround” para a companhia.

O primeiro negócio de que a GranBio se desfez foi a propriedade intelectual da cana energia, um tipo de cana desenvolvida pela empresa que gera mais biomassa e menos açúcar.

A australiana NuSeed agora é a dona do germoplasma, e a GranBio terá exclusividade do uso da variedade no Brasil para a produção de etanol celulósico.

Também foi vendido um negócio de geração de energia. Com as duas transações e a renegociação das dívidas remanescentes, Gradin enxerga um caminho claro para a companhia.

Agora é preciso executar a visão do negócio. Segundo o empresário, o modelo envolve um pacote completo de biorrefinaria.

O produto final pode ser o SAF, o próprio etanol 2G ou nanocelulose, um insumo usado em cosméticos, embalagens e produtos à base de borracha. Mas o bioquerosene parece a opção mais atraente por enquanto, diz Gradin.

Fechando a conta

“Um galão [3,7 litros] de querosene de aviação custa mais ou menos US$ 3,5 em Houston, que é o mercado mais eficiente do mundo. Estimamos que, para ter uma boa margem, o SAF vai custar entre US$ 7 e US$ 7,50”, afirma o empresário.

A diferença de custo será justificada pela redução de emissões. A Comissão Europeia propôs um roadmap de mistura mínima de SAF nos tanques dos aviões, e várias companhias aéreas já anunciaram iniciativas voluntárias.

Falta só o biocombustível. A Iata calcula que a produção de SAF triplicou em 2022, atingindo 300 milhões de litros, e o setor está prestes a passar por uma “aceleração exponencial” rumo a 30 bilhões de litros no final da década.

Existem várias maneiras de produzir SAF, inclusive partindo de biodiesel gerado de grãos como a soja ou de gordura de cozinha reciclada.

Como seu combustível tem zero emissões – contando o CO2 capturado no crescimento da biomassa –, Gradin acredita que sua tecnologia terá vantagens sobre a concorrência.

Ele diz manter conversas com potenciais compradores, uma diferença crucial em relação aos primeiros anos de história da empresa.

“Os mandatos [de mistura] são importantes, mas eles não garantem o financiamento de um projeto. O offtake, sim. Só preciso da garantia que durante sete anos alguém compre 100 milhões de galões a US$ 7,50 o galão.”

Posicionando o Brasil

A planta de demonstração que será erguida na Geórgia, no sul dos Estados Unidos, vai usar a biomassa disponível na região, mas a tecnologia da GranBio, que é proprietária, pode ser adaptada para outros insumos orgânicos.

Além das emissões de gases de efeito estufa, a possibilidade de produzir combustíveis onde houver matéria-prima barata – ou então onde a economia na logística justificar o preço mais alto do SAF – representa uma potencial transformação profunda.

Gradin enxerga um cluster de produção no Nordeste brasileiro. Com a variedade de cana-de-açúcar correta, alta radiação solar e disponibilidade de água, seria possível produzir cerca de 400 milhões de litros de SAF em 50 mil hectares de área cultivada.

Outra possibilidade seria a implantação de usinas na África, o que poderia garantir desenvolvimento econômico para um continente particularmente ameaçado pela mudança climática.

Para realizar essa visão, porém, a GranBio depende primeiro do aumento da escala do etanol de segunda geração. O desafio é o mesmo de companhias como a Raízen, que também aposta no futuro nesse biocombustível avançado.

A companhia, joint-venture da Cosan com a britânica Shell, produz o E2G comercialmente em sua unidade Costa Pinto, em Piracicaba (SP), tem três plantas em construção e outras cinco anunciadas.

Agora, Gradin acredita que os “vieses cognitivos” que no passado nublaram as expectativas de investidores e empreendedores foram superados. Com a tecnologia mais madura e uma demanda potencial de bilhões de dólares, ele espera que a segunda década da GranBio seja muito diferente da primeira.