Tem quem olhe para a NDC de um país — as metas nacionais de redução de gases de efeito estufa — e enxergue um documento diplomático protocolar.
Mas tem gente como eu que olha pra NDC e vê um potencial plano de investimento, que sinaliza esforço e oportunidades de negócios em diferentes setores.
Uma NDC que está encadeada em um nível baixo de ambição não atrai recurso nem passa boa impressão. E, aliás, vira alvo de litígios climáticos.
É o caso da NDC do Brasil e suas metas de mitigação para 2025 e 2030: chamada de “pedalada climática”, essa proposta é questionada por ativistas na justiça e está classificada como de baixa ambição por todos os analistas independentes que se dedicam ao assunto no mundo.
Há razões suficientes para que o novo governo federal revogue sua existência e alinhe os compromissos climáticos brasileiros com o Acordo de Paris.
Penso tratar-se do quando e como fazê-lo, não do porquê. Falta o governo federal acenar com gesto firme sobre esse processo.
Mas, no horizonte, temos pouco tempo e nenhuma folga para agir decisivamente. Isso porque a NDC contém um compromisso de redução de emissões para 2025.
Se adotada a meta da primeira NDC, o volume máximo de emissões em 2025 terá de ser 1,3 bilhão de tCO2e — baseando-se nos níveis de emissões do país em 2005 (2,1 GtCO2e).
Pequeno grande detalhe: as emissões brasileiras no ano passado foram de 2,4 bilhões de tCO2e. Ou seja, estamos num patamar elevado de emissões e desmatamento, legados de Bolsonaro.
Em três anos, o Brasil terá de reverter drasticamente sua curva de emissões. Dá para fazer? Deveríamos perseguir esse caminho?
O caminho
As oportunidades e opções de mitigação para o Brasil nesta década são muitas: é possível cortar entre 63% e 82% de emissões de 2005, conforme estudos desenvolvidos pela iniciativa Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030.
Essa expressiva redução, compatível com o cenário de limite de aumento da temperatura em 1,5°C, não imporia sacrifícios à economia: na realidade, contribuiria para mitigar desigualdades sociais e acelerar a adoção de tecnologias modernas, a baixo custo.
Outros estudos, como o “Opções de Mitigação” do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o “Caminhos profundos de descarbonização no Brasil”, do CDP e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, elencaram medidas setoriais e oportunidades compatíveis com cenários de 2°C e 1,5°C.
Eles mostram que é possível ir além das metas vigentes de mitigação e fazer bonito perante o mundo em termos de transição para carbono-zero.
O Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil organizada, propõe a adoção de uma meta de mitigação da ordem de 81% das emissões de 2005 em 2030.
Se realizados os esforços e as oportunidades de descarbonização identificadas, o Brasil pode vir a se tornar o primeiro país do mundo a zerar suas emissões. Essa é a demanda da ciência e da sociedade brasileira.
Revertendo o estrago
Por tudo isso, não se espera nada menos do que uma bela reversão do estrago deixado por Bolsonaro, no “governo da união e da reconstrução”.
Se deixar a meta de 2025 como prescrita por Bolsonaro, o governo Lula-Alckmin estará mantendo a NDC como um péssimo cartão de visitas internacional e um plano no qual não se vale investir.
O Brasil pode ter dificuldades de cumprir o compromisso de curto prazo, até porque os resultados do combate ao desmatamento podem demorar a aparecer.
No entanto, a sinalização ao mundo de que o Brasil terá uma NDC de alta integridade e ambição vai nos dar credibilidade e atrair investimentos públicos e privados, para nos colocar na rota de descarbonização daqui até 2050.
Para 2025, a proposta é clara: retomar a meta original (de 1,3 GtCO2e), criar rapidamente um programa de metas (estimulando inclusive compromissos e ações para além do governo federal), angariar parceiros internacionais que topem nos ajudar — e mãos à obra!