Os principais líderes mundiais estão reunidos para o Fórum de Davos, na Suíça, num cenário bem diferente de anos anteriores. A neve chegou apenas neste fim de semana, cobrindo em parte de branco a paisagem em que até poucos dias atrás ainda se encontrava um clima ameno e sem gelo.
A situação dos Alpes suíços é apenas um retrato de uns dos invernos mais quentes da Europa.
Por ora, o clima tem sido visto como um “alívio” temporário, segurando os preços do gás que ameaçavam explodir ainda mais e causar racionamento durante a estação fria se os termômetros ficassem muito abaixo de zero.
A demanda por gás em casas e escritórios tem sido menor que a prevista e derrubou o preço do combustível para os níveis que antecederam a invasão russa à Ucrânia.
Em meio à guerra e aos cortes de gás entregue pela Rússia, havia uma preocupação generalizada com os desafios de fazer estoques em quantidade suficiente e a necessidade de racionamento de energia nesta estação.
A União Europeia fez uma série de esforços para mitigar tal risco, como aumentar as importações de GNL dos Estados Unidos e promover eficiência energética.
A questão é que o alívio pode ser temporário.
“Talvez do ponto de vista econômico, quando olhamos para frente, nós tenhamos evitado uma catástrofe, mas isso não quer dizer que os preços não possam virar de novo”, diz o diretor de energia e clima da Eurasia, Raad Alkadiri, em entrevista ao Reset.
Problema segue sem solução
Nos mercados globais, Alkadiri destaca dois pontos de atenção para este ano: a oferta apertada na Europa e o aumento na demanda pela China.
Do lado da oferta, o continente europeu segue precisando reestabelecer seus fornecedores e, globalmente, os mercados ainda não compensaram os 110 bilhões de metros cúbicos (bcm) de gás russo que foram retirados do mercado, diz o economista.
“O petróleo que a Rússia não vendeu para a Europa foi para diferentes mercados. Já o gás está preso no chão. Você tem de fato um déficit físico”.
Do lado da demanda, com o apetite para impulsionar o crescimento econômico, especialmente por conta do fim da política de covid zero que vinha impondo pesados lockdowns na China, a Ásia deve intensificar a competição e pressionar ainda mais o mercado.
“No ano passado, a China quase parou de comprar GNL da Ásia e várias cargas puderam ir para a Europa. Neste ano, o governo chinês sinalizou que vai renovar seu programa de gás e precisará do combustível para seu crescimento econômico. Isso adiciona um desafio de demanda que não existiu em 2022”, afirma Alkadiri.
Diferentes casas de análise observam que, apesar da recente queda, o preço do gás TTF, negociado na Holanda, segue três vezes maior que a média dos últimos cinco anos. Hoje, o contrato mais líquido aprofundou queda e perdeu a marca € 60 por megawatt-hora (MWh) – patamar consideravelmente inferior que o de € 300 superado em agosto passado.
Para o final do ano, a londrina Capital Economics cortou sua projeção para o preço do combustível, de € 150 para € 100 por MWh.
Com a previsão de preços mais baixos do gás, a consultoria passou a esperar que a inflação na zona do euro caia mais rapidamente do que o antecipado.
Em dezembro, a taxa anual de inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) na região desacelerou de 10,1% em novembro para 9,2%, conforme dados preliminares da Eurostat, agência de estatísticas da União Europeia.
Clima no centro do debate
A relação entre eventos climáticos e preços de commodities sempre existiu, como tempestades que interrompem produções ou temperaturas mais amenas que exigem menor aquecimento.
Para Alkadiri, o ponto interessante das conversas atuais é o crescente reconhecimento de que não se tratam apenas de fenômenos meteorológicos, mas que talvez reflitam eventos climáticos.
“Isso se opõe a ver os eventos individualmente, e lidar com eles como tal no curto prazo. Eles impactam o mercado e sempre o fizeram, mas é a extensão que tem levado à percepção de que são, na verdade, eventos climáticos”, diz Alkadiri. “Esse é um produto da mudança do clima e das emissões que impactam o clima, portanto é uma questão muito mais estrutural. E isso muda o debate”.
No ano passado, a Europa viveu seu segundo ano mais quente e teve o verão com as temperaturas mais altas já registradas.
No mundo, os últimos oito anos foram os mais quentes já observados e 2022 teve a média de temperatura anual equivalente a 1,2ºC acima do período entre 1850 e 1900, considerado pré-industrial.
Os dados foram divulgados pela Copernicus, projeto de dados climáticos da União Europeia, na semana passada.
Enquanto debatem as grandes questões globais, os participantes de Davos terão de encarar o fato de que promessas e metas podem até ser para o futuro, mas a crise climática é um problema de agora – e cada vez mais difícil de ignorar.