Menos de um mês depois da conferência do clima, no Egito, negociadores do mundo todo voltam a se reunir numa COP, desta vez para discutir a preservação da biodiversidade.
A expectativa é que o encontro que começa hoje em Montreal, no Canadá, resulte num “Acordo de Paris para a natureza”, com metas para a conservação de ecossistemas e para o uso equilibrado de recursos nacionais e a criação de mecanismos financeiros para auxiliar os países mais pobres.
Antes de tudo, é necessário fazer uma explicação. COP é a abreviação para conferência das partes, em inglês. Participam do evento que começa hoje as partes, ou signatários, da Convenção Sobre Diversidade Biológica. As COPs climáticas tratam da Convenção do Clima.
Os dois temas têm relação muito próxima, e o documento final da COP27 mencionou pela primeira vez termos como “rios” e “soluções baseadas na natureza”.
Mas as discussões mundiais em torno da biodiversidade estão “uns dez anos atrasadas”, afirma Henrique Luz, gerente técnico do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que acompanha de perto o vaivém diplomático.
O que está em jogo
Nada menos que a definição do Quadro Global de Biodiversidade Pós-2020 (GBF, na sigla em inglês) será considerado um fracasso – e, como acontece em negociações internacionais, será necessário encontrar um equilíbrio delicado de interesses conflitantes.
O GBF tem 23 metas para os próximos dez anos. Elas incluem reduções no uso de pesticidas, contribuições da natureza na luta contra a mudança do clima e a proteção de 30% de áreas terrestres e marinhas até 2030, a chamada meta “30 por 30”.
Outro objetivo que deve constar do texto é a reversão da perda de espécies. O planeta perdeu em média 69% das populações de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes desde 1970, segundo um levantamento da Sociedade Zoológica de Londres.
O dado se refere somente às espécies acompanhadas pela instituição, e entre algumas delas o cenário é positivo. Mas, mesmo que não exista um número único capaz de resumir o desafio – como o limite de 1,5°C de aumento da temperatura global –, não há dúvidas quanto à sua urgência.
As metas das COPs de biodiversidade são definidas a cada dez anos. Mas uma avaliação dos 20 compromissos assumidos em 2010 mostrou que, em 2020, nenhum deles havia sido alcançado.
Habitats naturais continuaram sendo degradados ou destruídos e subsídios bilionários que ameaçam a natureza continuam sendo distribuídos por governos nacionais.
Além de recuperar os dois anos de atraso – a conferência deveria ter acontecido na China, mas foi adiada duas vezes por causa da estrita política anti-Covid do país –, o encontro de Montreal terá de mostrar caminhos para que seus resultados sejam colocados em prática.
O papel das empresas
A perda de biodiversidade é resultado da degradação e destruição de habitats naturais, na maior parte das vezes por atividades econômicas. Cerca de metade do PIB global, ou US$ 44 trilhões, depende da natureza em alguma medida, segundo uma estimativa do Fórum Econômico Mundial.
Em outras palavras, destruir o meio ambiente tem efeitos diretos na economia. Uma meta em discussão diz respeito à necessidade de medição – e redução – dos impactos negativos das empresas sobre a natureza.
“Uma das propostas para de texto diz que esse tipo de divulgação tem que ser obrigatório para companhias grandes ou transnacionais”, afirma Luz, do CEBDS.
Na prática, cada país teria de criar sua própria regulação, o que promete mais batalhas políticas em torno do movimento ESG.
Mas, mesmo que a redação dessa meta seja diluída na versão final, as próprias empresas já estão se movimentando de forma voluntária, diz Luz.
Ele aponta o trabalho da TNFD, uma força-tarefa que conta com mais de 400 representantes do setor privado para definir padrões de divulgação do impacto dos negócios na natureza.
Um esforço semelhante foi feito em relação ao clima, com a TCFD, e reguladores do mundo todo estão começando a exigir reportes específicos de companhias abertas em relação a suas emissões de CO2.
Como já acontece nas conferências do clima, representantes de empresas e instituições financeiras (inclusive com dezenas de executivos brasileiros) devem marcar presença em peso na COP de biodiversidade.
Além de se fazer ouvir junto com outros setores da sociedade civil, deve haver discussões paralelas sobre um nascente mercado de créditos de biodiversidade e transformações nos negócios.
Quem paga a conta?
Não seria uma COP se não houvesse oposição entre os países ricos e o mundo em desenvolvimento.
A criação de um fundo para as nações mais vulneráveis do mundo foi um avanço histórico em Sharm el-Sheikh. Em Montreal, as finanças também serão um dos temas cruciais da negociação.
A maior parte da biodiversidade remanescente está concentrada em países do Sul global. Para conservá-la, eles precisam de fundos e ajuda tecnológica.
Em uma reunião preparatória realizada no meio do ano, o Brasil sugeriu a criação de um Fundo Global de Biodiversidade, que começaria a funcionar em 2025.
A ideia é que esse fundo receba recursos “novos, adicionais e separados” – ou seja, não vale incluir na conta mecanismos de financiamento já existentes.
Esse fundo teria US$ 100 bilhões anuais, como um semelhante existente para assuntos climáticos. Mas a aliança de países ricos, que inclui americanos, europeus e japoneses, é contra a ideia.
Pacotes de troca de dívida externa por programas de proteção da natureza também devem ser parte importante da discussão. Os países mais pobres argumentam que, com o peso das obrigações financeiras, não sobram recursos para iniciativas de preservação.
Mesmo que os diplomatas celebrem em 19 de dezembro um eventual sucesso na COP15, o problema também é de atenção: diante da urgência climática, a biodiversidade acaba ficando em segundo plano.
“Quando se fala de soluções climáticas baseadas na natureza, a sensação é que você compra um [crédito de] carbono e leva de brinde uma biodiversidade”, afirma Luz, do CEBDS. “Não deveria ser assim. A ideia é que ela tenha valor próprio, seja um fim.”