Sharm el-Sheikh – O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, fez o último discurso do governo de Jair Bolsonaro em uma COP. Foi uma aparição final em linha com os últimos quatro anos da política ambiental brasileira: vazia, perdida e marcada pelo ressentimento.
A palavra desmatamento, de longe a maior contribuição do país para a crise climática e o assunto sobre o qual o mundo espera que o governo faça alguma coisa, apareceu uma única vez na fala do ministro.
“O Brasil ainda tem enormes desafios ambientais, assim como a maioria dos 194 países signatários do acordo do clima”, disse Leite na abertura de sua participação.
E foi só.
Merece comendas a equipe que redigiu o discurso, pois qualquer outra afirmação adicional sobre o trabalho (não) feito em defesa do meio ambiente arrancaria risadas dos presentes. A plenária da COP27 não costuma receber comediantes stand-up.
Na sequência, talvez por falta de assunto, o ministro decidiu atacar as gestões passadas. “Invertemos a lógica de governos anteriores que só agiam para multar e culpar. Desde 2019, este governo faz políticas para incentivar, inovar e empreender.”
Leite mencionou o marco do saneamento – uma conquista importante, mas que pouco contribui para as emissões brasileiras de CO2 – e recitou variados programas que levam um sinal de mais no nome: Recicla+, Floresta+, Escolas +Verdes.
Propagandeou as fontes renováveis, responsáveis por 85% da eletricidade gerada no país. Eólica e solar vêm crescendo rapidamente na última década – mas por causa do aumento da escala na fabricação de equipamentos. As regras que garantem a expansão do setor já existiam.
Leite falou também do potencial da produção de hidrogênio verde, embora o país ainda não tenha publicado sua proposta de política nacional para esse vetor de descarbonização. O Chile tem a sua desde 2020.
O ministro que se despede do cargo em um mês e meio também tentou vender como sucesso da atual gestão o decreto que estabelece um mercado de carbono regulado no Brasil. Mas a iniciativa atropelou um trabalho de meses envolvendo especialistas, participantes do negócio de créditos de carbono e parlamentares que acompanham o tema de perto.
Para que seja efetiva na descarbonização de setores poluentes da economia brasileira, a regulação do mercado de carbono ainda precisa de esclarecimentos e ajustes importantes.
Viagem
O ministro do Meio Ambiente do Brasil também encontrou tempo para lacrar, como se estivesse buscando likes no Twitter.
“Filantropos, líderes e empresários e seu sempre exagerado número de assessores vieram em jatos particulares ao luxuoso balneário do Mar Vermelho para cobrar metas de redução de emissões dos outros.”
Sim, jatinhos emitem carbono. Mas o avião que trouxe Leite, também. O mesmo vale para os que transportaram 574 credenciados como integrantes da delegação brasileira, a segunda maior da conferência.
E muitos dos filantropos, líderes e empresários criticados pelo ministro desistiram de esperar que o atual governo faça cumprir as leis ambientais brasileiras e estão lançando iniciativas próprias para ocupar o vácuo deixado pela administração que termina.
Leite também atacou as organizações da sociedade civil. “Diferente dos governos anteriores, onde o foco era enviar recursos somente para ONGs, nos últimos anos implementamos políticas junto com o setor privado para dar escala a uma nova escala a uma nova economia verde.”
Citando uma frase de Roberto Campos, ele disse que o mundo “será salvo não pelos caridosos, mas pelos eficientes”.
Adeus
Para Leite, que chegou ao Egito hoje, as dezenas de milhares de pessoas que há dez dias discutem soluções para a mudança do clima querem uma “redução de emissões extremamente forçada, via taxas e custos a vários setores econômicos”.
“O Brasil acredita que o mundo deve caminhar para uma política ambiental racional”, afirmou o ministro. Sem dúvida. Não existe expectativa maior para o governo que começa em 1º de janeiro.