A Shell Brasil fechou uma parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para um projeto de pesquisa e desenvolvimento que quer utilizar o agave, uma planta típica de regiões semiáridas, para a produção de etanol.
Com financiamento de R$ 30 milhões, o programa quer estudar e desenvolver variedades de agave com propriedades bem adaptadas à realidade brasileira. Se bem sucedida, a empreitada tem potencial para transformar o sertão brasileiro em uma nova fronteira para a produção de biocombustíveis, sem competir com áreas que hoje são usadas para o cultivo de alimentos.
“A ideia é ir desde a planta até o processo industrial de produção de etanol de primeira geração, segunda geração [feito a partir de resíduos] e biogás. É um projeto totalmente inovador e com um potencial transformador enorme para uma região hoje muito carente”, afirma Marcelo Medeiros, coordenador de projetos de pesquisa e desenvolvimento da Shell Brasil.
O agave já é utilizado para produção de tequila no México: é da pinha, a parte central da planta, que sai o sumo doce que é transformado em álcool. A partir dele é produzido também um xarope adoçante. No Brasil, as folhas viram sisal, fibra natural utilizada na produção de cordas, cestarias e tapetes.
“Dá para fazer tudo o que a gente faz com a cana e muito mais”, diz Gonçalo Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp e líder do projeto de pesquisa.
Nascido em Salvador e filho de sertanejo, além de professor e pesquisador, Pereira foi um dos fundadores da GranBio, primeira usina a produzir etanol de cana de segunda geração, feita a partir do bagaço da cana, onde atuou como coordenador científico até o fim de 2016.
Potencial
Há diversas variedades de agave, mas sua principal característica interessante à produção de biocombustível é a capacidade de gerar grandes quantidades de biomassa mesmo em locais com baixa incidência de chuva.
No México, há plantas que chegam a pesar mais de 400 quilos.
A capacidade do agave para produção de biocombustível é alvo de pesquisas também no México e na Austrália, todas recentes, mas até agora nenhuma delas tinha olhado a realidade brasileira.
“Temos tanto as terras no semiárido para produção do agave quanto as experiências com a indústria canavieira e com a produção de etanol que já nos dão vantagem”, diz Pereira.
Uma das principais diferenças do agave é que ele demora entre 3 a 5 anos para a primeira colheita, contra 12 meses da cana. Mas, após cinco anos, ele pode render até dez vezes mais biomassa que a cana por hectare, segundo uma pesquisa feita na Austrália.
Esse mesmo estudo mostrou que a produção de etanol seria de 7,4 mil litros por hectare. Por essa matemática, seria possível produzir 3,3 bilhões de litros de etanol de agave ao ano – a mesma quantidade hoje produzida no Brasil de etanol de cana – utilizando 3,3 milhão de hectares.
“A cana hoje ocupa 4,5 milhões de hectares de áreas nobres do país”, afirma Pereira.
Projeto Brave
Na primeira fase, o projeto, batizado de Brave – de Brazilian Agave Development, mas também uma alusão aos produtores de sisal do interior da Bahia, que se intitulam “bravos sisaleiros” – vai fazer toda avaliação da biologia e fisiologia da planta, para chegar até a produção de etanol em escala de laboratório.
Nessa etapa, que terá duração de até cinco anos, estão envolvidos cerca de 50 pesquisadores, da Unicamp, Esalq/USP, e Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
O plano é fazer estudos de solo e genética das plantas para maximizar a produção de biomassa.
“Quanto você começa a trabalhar com genética, aumenta muito o potencial dessas plantas reterem CO2 e produzirem biomassa”, diz Pereira. Ele faz um paralelo com a chamada cana energia, uma variedade utilizada na produção de biocombustíveis no Brasil e que chega a ter produtividade três a quatro vezes superior à cana convencional.
A produção de etanol a partir do agave também tem suas particularidades. Grosso modo, na cana-de-açúcar, o caldo que sai da moagem já contém leveduras que fermentam o açúcar e produzem o etanol. Da pinha do agave sai um polímero de frutose, sobre o qual as leveduras que fazem o etanol no Brasil não atuam.
“Temos que desenvolver leveduras por engenharia genética para fazer essa fermentação”, afirma o professor da Unicamp.
A ideia é fazer o aproveitamento integral da planta do agave, da pinha às folhas e o bagaço, produzindo etanol de primeira geração, segunda geração, além de biogás e também o biochar – uma espécie de carvão vegetal utilizado para correção do solo, que melhora a qualidade da terra e ajuda no sequestro de gases de efeito estufa.
Mecanização e industrialização
Em uma segunda etapa, o projeto Brave prevê também o desenvolvimento de técnicas de mecanização de plantio e de colheita para a cultura do agave, além de desenvolvimento de plantas-piloto de processamento e refino, a serem instaladas na Bahia.
“Não adianta desenvolver esse vegetal para esse potencial se você não tiver uma estrutura de mecanização de plantio e colheita, bem como o processamento industrial disso”, diz Medeiros, da Shell.
Hoje, mesmo no México, onde há uma indústria montada para atender a cadeia de bebidas, a colheita e o manuseio do agave são feitos de forma muito artesanal e sem tecnologia.
“Precisa desenvolver máquinas para colher o agave, que é uma planta pesada, e as moendas de cana não conseguem dar conta das pinhas”, diz Pereira.
A verba para o financiamento do projeto da Shell vem de recursos oriundos da cláusula da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) que determina a aplicação de um percentual da receita em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
A Shell deve fechar 2022 com R$ 600 milhões em verbas investidas em P&D, das quais cerca de 30%, ou R$ 200 milhões, voltados para a transição energética.
A companhia, que faz a maior parte da sua receita na extração de petróleo, tem o compromisso global de se tornar neutra em carbono até 2050.