Mercado de carbono pode financiar reflorestamento amplo no Brasil, diz McKinsey

A preços próximos dos praticados, créditos já tornam atrativo substituir pastagens degradadas por um modelo de lavoura-pecuária-floresta

paisagem com floresta e um corredor para pastagem de gado
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A preços não muito distantes dos que hoje já são praticados, o mercado voluntário de carbono tem potencial para financiar a restauração de boa parte das pastagens degradadas do Brasil, aponta um estudo que será lançado hoje pela McKinsey. 

Com os créditos sendo negociados entre US$ 25 e US$ 35 por tonelada de CO2, cerca de 84 milhões de hectares no Brasil seriam elegíveis para projetos de soluções baseadas na natureza até 2030, o que envolve tanto aqueles de conservação quanto de restauração florestal. 

A maior parte desse território, 76 milhões de hectares nos quatro principais biomas (Amazônico, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica), poderia ser transformada por projetos de reflorestamento e agrofloresta.

Segundo o material, apenas os projetos agroflorestais poderiam atingir 20 milhões de hectares de pastagens altamente degradadas, em que a vegetação foi derrubada para dar lugar a pastagens de baixa produtividade. 

Dados do Observatório de Bioeconomia da FGV mostram que dos 160 hectares de pastagens do Brasil, 52% (89 milhões) apresentam algum nível de degradação, sobretudo na Amazônia e no Cerrado. 

“O Brasil tem uma enorme oportunidade de prover o mundo com créditos de alta qualidade e integridade, gerando desenvolvimento para regiões e populações que hoje estão à margem”, afirma Henrique Ceotto, sócio da McKinsey, que é coordenadora da Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono. 

O preço do crédito considerado pela consultoria no seu estudo é conservador. No piso do intervalo, já está em linha com o praticado por alguns projetos de reflorestamento que começam a pipocar no país. 

Esses créditos, ainda raros no mercado, costumam ter um prêmio em relação aos de conservação florestal (conhecidos por REDD+), porque sequestram carbono da atmosfera, enquanto os créditos REDD evitam emissões que seriam resultantes do desmatamento. 

Para conter o aquecimento global, o mundo vai precisar de soluções que removam carbono da atmosfera. Existem soluções tecnológicas para isso, mas elas são muito caras. 

“O sequestro natural, por meio da restauração de biomas, tem uma fração de custo de uma remoção tecnológica e tem cobenefícios, tanto em termos de biodiversidade quanto sociais”, diz Ceotto.

A consultoria estima que o mercado de créditos de carbono com soluções baseadas na natureza pode gerar entre 550 mil e 800 mil empregos por ano até o fim da década no país, com 57% desses empregos no Estado de origem dos projetos, levando renda a populações que hoje encontram poucas alternativas associadas à floresta em pé.

Nome aos bois

Boa parte da restauração no país poderia ser feita utilizando modelos de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), aponta a McKinsey, sem prejuízo ao agronegócio — pelo contrário, aumentando a produtividade. 

O modelo considerou tanto os custos de implementação, do arrendamento da terra, plantio e manejo, até os gastos com certificação e verificação para emissão dos créditos. Além disso, levou em conta o chamado “custo oportunidade”, ou seja, de deslocar a atividade econômica da região. 

“A um preço de crédito de carbono de US$ 35 qualquer densidade abaixo de 0,7 cabeça de gado por hectare já faz sentido substituir [o modelo]”, diz o executivo. “Na prática, em pecuária, em pastagens altamente degradadas estamos falando normalmente de menos de 0,4 cabeça por hectare, na sua maioria.”

No processo de ILPF, concentra-se o gado em áreas menores, com restauração das áreas remanescentes, parte em vegetação nativa, parte em agricultura consorciada com a pecuária. O saldo é um solo mais produtivo e maior rentabilidade por área.

Gargalos

Se no papel a conta fecha, na prática a história é outra.

“Por essas contas, eu já deveria ter 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente sendo emitidos para reflorestamento. E na prática o Brasil quase não emite créditos deste tipo”, diz Ciotto. “Isso mostra que o problema não é econômico, é de desenvolver o mercado.”

O Brasil produziu cerca de 21 milhões de toneladas de créditos de carbono por ano, em média, entre 2019 e 2021. 

É apenas 2% do potencial total anual de 1,2 a 1,9 gigatoneladas estimados pela consultoria até o fim da década, identificado pela McKinsey – isso usando projeções “bastante conservadoras”, segundo a própria consultoria. 

Para se ter ideia do tamanho da oportunidade, a emissão líquida de gases de efeito estufa do Brasil como um todo foi de 1,7 Gt no ano passado. 

A McKinsey é uma das líderes da Iniciativa Brasileira para o Mercado de Carbono Voluntário, que foi criada para reunir tanto desenvolvedores de projetos quanto potenciais compradores de créditos no Brasil, e eliminar os gargalos. 

O primeiro desafio da iniciativa, segundo ele, é de ordem técnica: fazer o conhecimento chegar à ponta por meio de capacitação técnica – no caso da restauração, até agricultores e pecuaristas. 

“Como país, temos experiência de fazer isso chegar na ponta. É só ver práticas como rotação de cultura, plantio direto; fazemos isso há dezenas de anos. Tem um papel importantíssimo da Embrapa aí, mas tem o próprio papel da iniciativa privada, dos desenvolvedores de projetos de carbono.”

Outro ponto é fortalecer a segurança jurídica dos créditos. 

Uma das grandes questões é garantir a propriedade da terra, já que, especialmente no contexto de Amazônia, boa parte se trata de desmatamento ilegal, associado a práticas de grilagem. 

“Você precisa de muito mais transparência sobre a qualidade dos projetos, porque a certificação em si certifica o crédito, mas não necessariamente toda a complexidade jurídica brasileira”, aponta Ciotto.

Existem ainda gargalos na cadeia de fornecimento: há, por exemplo, poucos viveiros de espécies nativas para oferecer sementes e mudas para reflorestamento na escala necessária. A maior parte deles está em São Paulo, fora das localidades hoje mais afetadas pelo desmatamento. 

“Precisamos fazer esses investimentos nos próximos anos para não perder esse bonde. Porque a demanda está aí e é responsabilidade nossa provar que conseguimos prover esses créditos com altíssima integridade e no volume que o mundo precisa.”