Seria muito prático começar esta coluna com a mensagem mais óbvia e aparentemente coerente com nosso assunto aqui: “compre livros para as crianças neste Natal! E, sobretudo, escolha aqueles com temática ESG adaptada aos pequenos leitores”.
Mas educação infantil, apreço pela literatura e ESG são temas complexos, para os quais não há atalhos.
Fuja das soluções fáceis ou rápidas e percorra todo o caminho: defina prioridades, lide com as adversidades, seja criativo e, por que não, usufrua de cada conquista.
Nessas temáticas, o “talk” não anda sem o “walk”, assim como deveria ser nas conferências climáticas, nas reuniões de conselho das empresas, nos governos, nas pequenas e grandes equipes, na vida profissional e na pessoal.
Ou seja, sempre.
Exemplo é tudo
O grande clichê da educação infantil continua mais verdadeiro do que nunca. Para ensinar é necessário saber ou aprender junto ou executar sempre, com coerência e convicção.
Nessas condições, a criança naturalmente apreenderá.
Vai presenciar determinadas escolhas da família, de cuidadores e de educadores. Vai escutar e participar de conversas e reflexões dentro de casa. Terá a oportunidade de analisar situações e fazer suas próprias escolhas. Sentirá os reflexos e o impacto dessas escolhas. Vai começar a respirar novos hábitos. Mais ainda: pode se tornar uma potente multiplicadora dessas práticas, influenciando amigos da mesma idade e adultos que, por sua vez, levarão as mesmas ideias a seus círculos sociais.
Por isso, neste Natal, fale sobre e pratique o consumo consciente com as crianças à sua volta.
Segundo o Instituto Akatu, que desde 2001 se dedica a engajar a sociedade nesse movimento, consumo consciente é consumir com melhor impacto, sem excessos ou desperdícios. É fazer escolhas que contribuem para a sustentabilidade do planeta, para que haja o suficiente para todos sempre.
A literatura atravessa esse conceito de três maneiras, no mínimo.
Primeiro, porque o consumo consciente é essencial para uma educação. É por meio dele que a criança vai conhecer narrativas que a farão refletir e questionar a maneira como consumimos hoje.
Segundo, porque a literatura cria vínculo. “É por meio dela que o contato da criança com o adulto vai se dar. Ela vai se transformar em presença, em afeto, em diálogo. Ela não acaba em si mesma”, afirma Tati Garrido, educadora, professora de educação infantil e idealizadora do Infância sem Excesso (@infanciasemexcesso), movimento educativo dedicado a cuidar da infância e do meio.
Com a sócia Elisa Lunardi, também educadora, professora e pesquisadora, elas formam e assessoram professores e outros profissionais da educação para o consumo e atos para uma infância sem excesso. “Procuramos sensibilizar e dar corpo para o que significa sair dos padrões de consumo. Para isso escolhemos cultivar o que já temos, dentro de casa e dentro da gente”, explica Lunardi.
Ou seja, consumir literatura de qualidade em boa companhia é um meio para ganhar presentes não disponíveis nas lojas: conexão, amizade, afeto, relações.
O terceiro elo entre a literatura e o consumo consciente trata do consumo diferente e mais sustentável de livros. Existem muitas maneiras de ler para e com as crianças, deixando um impacto positivo em todo o ciclo de vida do livro e das histórias.
Vamos a alguns deles:
A leitura e as relações
Onde comprar? Comece privilegiando as livrarias independentes. Dificuldades financeiras vêm reduzindo o mercado editorial há alguns anos e levaram ao fechamento de diversas redes de livrarias em todo o país.
Paralelamente a esse movimento, nasceu outro: o surgimento de livrarias independentes, de rua, muitas especializadas na infância e fundadas entre 2020 e 2021, durante e após a pandemia. São empresas pequenas, que geram empregos e são, muitas vezes, a única fonte de renda de uma família. Os sebos também fazem parte desse grupo.
Eles não conseguem competir com o varejo online em preço. Posicionam-se, porém, como um projeto muito maior que o comercial. Privilegiam as relações e o espaço como ambiente de troca e de construção coletiva. Algumas têm caixinha de livros doados para quem quiser. Muitas vendem livros de segunda mão. Outras tantas têm uma cafeteria acoplada à loja! Tudo isso além do portfólio de lançamentos e livros novos.
Mas precisa mesmo comprar?
As capitais brasileiras têm bibliotecas públicas e as cidades pequenas, redes de bibliotecas comunitárias.
Essas, especialmente, têm uma importância enorme ao levar livros para casas de famílias de baixa renda, que nunca puderam ter acesso a eles. Mas não exclusivamente a essas famílias. Participe: pegue emprestado, devolva em bom estado, doe livros, frequente rodas de leitura.
Além de pegar emprestado, também vale trocar. Muitas livrarias independentes organizam feiras de trocas. Além disso, você pode pilotar um projeto como esse e promover trocas na família, entre amigos, na escola, no prédio ou no clube.
Cinco livros para os consumidores conscientes do futuro
1. Consumo Consciente, gente contente
Álvaro Modernell e Victor Tavares, Editora Mais Ativos, R$ 34,50
Uma família vai passear no shopping, e os pais se distraem com as tentações de consumo. De repente, percebem que o jovem Heitor sumiu. O susto e o desenrolar da história ajudam a perceber o que realmente tem valor e os perigos do consumismo.
2. A Caracol que não sabia desapegar
Ingrid Dragone e Dam D’Souza, Editora Inverso, R$ 35,00
Livro bilíngue em português e em inglês, mostra a história da caracol Julie, que precisou deixar de lado o que já não lhe servia mais e tomou decisões difíceis. Dar lugar ao novo, deixando ir o que já não se usa, pode ser assustador, mas também traz leveza e liberdade.
3. Betina Quero-Quero
Andréia Vieira, Editora DCL, R$ 29,00
Uma garotinha acostumada a ter tudo o que quer vai descobrir, ao lado da família, a alegria de uma vida mais simples, com menos presente e mais presença.
4. Dois Passarinhos
Dipacho, Editora Pulo do Gato, R$ 45,00
É um livro de imagens que mostra uma competição entre duas aves. Ambas adquirem tantos produtos que o local em que viviam com conforto fica pequeno. Uma narrativa divertida e dinâmica sobre consumismo acumulativo, com desfecho inesperado.
5. O meu avô
Catarina Sobral, Editora Orfeu Negro (Portugal), R$ 145,00 (sob encomenda pela Editora Martins Fontes)
De Pessoa a Manet, de Almada a Tati, um livro repleto de referências artísticas, sobre o presente, o uso do tempo, a relação viciosa entre trabalho-consumo.
Doze livrarias independentes no Brasil
1. Argumento (@livrariaargumento)
R. Dias Ferreira, 417, Leblon, Rio de Janeiro
2. Cotidiano (@cotidianolivraria)
CLS 201 Bloco C Loja 15, Brasília
3. Disal
R. Duarte de Azevedo, 596, Santana, São Paulo
(Lojas também em Brasília, Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Guarulhos, Porto Alegre, Recife, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Salvador e Santo André)
4. Livraria do Brooklin (@livrariadobrooklin)
R. Hollywood, 275, Brooklin, São Paulo
5. Livraria Leonardo da Vinci (@livrarialeonardodavinci)
Av. Rio Branco, 185, subsolo, Centro, Rio de Janeiro
6. Livraria NoveSete (@livrarianovesete)
R. França Pinto, 97, Vila Mariana, São Paulo
7. Livraria Páginas (@livraria_paginas)
Belo Horizonte
8. Livraria Pindorama (@livraria_pindorama)
CRS 505 – Bloco A – Loja 41 Via W Três Sul, SHCS, Brasília
9. Miúda (@livrariamiuda)
R. Coronel Melo de Oliveira, 766, Pompeia, São Paulo
10. Pé de Livro (@pedelivro.livrariainfantil)
R. Tucuna, 298, Pompeia, São Paulo
11. Ponta de Lança (@livrariapontadelanca)
R. Aureliano Coutinho, 26, Santa Cecília, São Paulo
12. Sebinho Livraria, Cafeteria e Bistrô
Scln 406 Bloco “C” Loja 72, Asa Norte, Brasilia
* Em 20 anos de carreira, Paula de Santis escreveu sobre economia e finanças na Gazeta Mercantil, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e revista Época. Liderou a comunicação corporativa da Whirlpool na América Latina e assessorou a presidência do Instituto Akatu. É jornalista com MBA em Gestão de Negócios Socioambientais e pós-graduação em Economia Solidária pelo ICP em Paris. Escritora, hoje cursa a pós-graduação O Livro para a Infância, n’A Casa Tombada, é mãe do Rodrigo e da Alice e mora na França.