Criada a partir da ideia de alugar aqueles vestidos caríssimos que, quando comprados, costumam mofar nos closets depois do casamento ou formatura, a startup de moda circular Dress & Go acaba de fechar uma rodada de investimentos de R$ 3,75 milhões para deslanchar um novo negócio.
Ao modelo original de ‘rental’, a empresa está agregando um e-commerce de venda de peças de segunda mão, o famoso brechó. Trata-se do Reloved, que segue uma fórmula já mais difundida no Brasil e tem como principal expoente o Enjoei, que fez o seu IPO um ano atrás.
“A nossa menina dos olhos é o Reloved. É onde a gente vai conseguir escalar e gerar um impacto maior de sustentabilidade na moda, de tirar um monte de roupas paradas do armário”, diz Mariana Penazzo, cofundadora da Dress & Go, junto com a amiga Barbara Diniz (à direita na foto).
“Quem não olhou para seu guarda-roupa na pandemia e teve vontade de tirar coisas do armário?”, diz ela, que no dia da entrevista vestia uma calça vermelha da marca Animale que já esteve no armário de alguém.
Com festas e eventos suspensos pela pandemia por quase dois anos, a empresa foi parar no fundo do poço. Demitiu 25 dos 50 funcionários e entrou em modo de sobrevivência. Agora com 80 colaboradores na equipe e números reagindo, os planos são de crescimento – se as novas cepas do coronavírus permitirem.
“De 30 mil peças que temos hoje no estoque do Reloved, queremos chegar a 100 mil em um ano”, diz Penazzo. Como são peças à venda – e não apenas para locação – a ideia é girar algumas vezes esse estoque.
O Reloved funciona assim: tanto marcas famosas quanto clientes podem encaminhar as peças usadas para serem vendidas na plataforma, que cuida de todo o processo e fica com 40% do valor da venda. Os outros 60% vão para a dona da roupa. “Pagamos um dos percentuais mais altos”, diz Penazzo.
A empresa já fechou parcerias com Animale, Bob Store, Ellus, Iorane e Twenty Four Seven; e outras estão sendo costuradas. As marcas podem fazer ações para que as clientes entreguem peças aposentadas em troca de desconto na compra de algo novo, por exemplo, e obter receita com a venda na Reloved.
Numa parceria com a Animale, quase 60 mil peças usadas foram reunidas. “O grande volume vem das parcerias com marcas. Mas a pessoa física traz acesso a produtos diferentes”, diz Penazzo.
Embora o segmento de brechós online já esteja mais ocupado que o de ‘rental’, a Dress & Go acredita que consegue se diferenciar ao se posicionar no segmento premium.
Na prática, entram no site especialmente roupas de marcas consagradas, além de algumas peças sem grife escolhidas a dedo.
“Não é simplesmente uma plataforma de e-commerce de segunda mão, é um projeto que conta com uma curadoria minuciosa e bem planejada”, diz Renato Ramalho, conselheiro da startup e CEO da gestora KPTL, que liderou a rodada atual e investe na empresa desde 2013.
Além da gestora de venture capital, entraram agora investidores individuais, como Flávio Jansen, fundador do e-commerce Submarino.
A rodada, diz Penazzo, é pequena e servirá para cobrir o buraco deixado pela pandemia e tirar o Reloved do papel. A empresa mudou para um galpão maior capaz de acomodar o estoque várias vezes maior (no braço de rental são 7 mil vestidos, ante as 30 mil peças atuais do brechó) e também abriu uma loja de 400 metros quadrados numa badalada rua de São Paulo.
A ideia é ser omnichannel, ou seja, ter a presença física para complementar a experiência online. Na loja, as clientes do ‘rental’ podem provar os vestidos de festa e uma pequena amostra das peças de segunda mão estão expostas nas araras.
O tombo do Enjoei na bolsa sugere que o novo segmento traz novos desafios para a Dress & Go. Depois que fez o IPO em novembro do ano passado, a empresa cresceu o número de vendedores e o sortimento de produtos oferecidos queimando dinheiro. Cresce, mas segue dando prejuízo e analistas apontam que, na comparação com outros marketplaces, sua logística deixa a desejar. As ações do Enjoei já ca´íram mais de 60% desde a estreia na bolsa, em parte por causa do azedume do mercado.
“Enquanto o Enjoei ficou sem um DNA claro, algo entre Mercado Livre e Elo 7, a Dress & Go é um ‘pure play’ de moda. Tem curadoria, nível de serviço inigualável, omnichannel, relação longa e muito forte com as marcas e estilistas e forte relação com seu público”, diz Ramalho. Hoje, são 300 mil clientes cadastradas, das classes A e B.
Vuitton e Chanel
Para dar conta da complicada logística que envolve todo o processo que leva os vestidos às clientes e que os trazem de volta, dois softwares foram desenvolvidos internamente. Apelidados de “Chanel” e “Vuitton”, são o cérebro por trás de toda a operação.
O primeiro fica encarregado da inteligência geral por trás de cada etapa da locação das peças. O Vuitton, por sua vez, faz o atendimento das clientes, permitindo que adicionem produtos a suas listas de desejos e selecionem os modelos que gostariam de experimentar no showroom, algo que facilita o trabalho das vendedoras.
Os dois sistemas, diz a executiva, estão constantemente gerando indicadores de performance que são usados para aprimorar o atendimento e o relacionamento com as clientes.
A inspiração para criar a Dress & Go em 2012 veio da americana Rent the Runaway, criada em 2009 e que em outubro se tornou a primeira empresa fundada por uma mulher a listar suas ações na Nasdaq. Com os mais de US$ 300 milhões levantados, a ideia é ir além do mercado americano.
Penazzo se diverte lembrando das primeiras vezes em que bateu na porta de renomados estilistas para dizer que queria comprar grandes lotes de vestidos para alugá-los. “Eles me xingavam. O conceito de economia compartilhada era novo e o Uber, por exemplo, estava começando.”
Desde 2017 a Dress & Go não compra mais os vestidos porque o modelo era muito intensivo em capital. Hoje, conhecendo o potencial do negócio para gerar receita, marcas como Valetino e Dolce & Gabbana colocam seus acervos para locação na plataforma. “O estilista fica com 20% a 30% do aluguel e ele ganha aqui cerca de cinco vezes o valor de venda do vestido.”