A SafeSpace foi criada há um ano e meio com o objetivo de mudar a forma como as empresas lidam com casos de assédio, discriminação, bullying e corrupção, com uma plataforma digital que revoluciona os antigos – e ineficientes — canais de reclamação criados pelas áreas de recursos humanos.
A startup de compliance digital acaba de levantar R$ 11 milhões numa rodada de captação liderada pelo fundo ABSeed Ventures e participação do DGF Investimentos e de investidores-anjo.
Fundada por quatro jovens, três delas com menos de 30 anos, a empresa consegue garantir o sigilo para quem denuncia e, do outro lado, facilitar a apuração e o desenvolvimento de políticas preventivas por parte da empresa. Num mundo em que relações saudáveis no ambiente de trabalho são cada vez mais demandadas, a solução acabou chamando a atenção de investidores.
“O produto tem uma proposta de valor muito importante. O segmento de compliance tem ferramentas antigas para o propósito de denúncias e é um mercado muito relevante, que ultrapassa US$ 50 bilhões. Então, há espaço para algo mais contemporâneo”, explica Geraldo Melzer, sócio-fundador da ABSeed.
Com o aporte, as sócias planejam investir prioritariamente em produto.
“O foco continua sendo melhorar a experiência do usuário final e, consequentemente, aumentar a visibilidade sobre problemas de comportamento, diminuir o tempo e otimizar as medidas de resolução interna dos casos”, diz Rafaela Frankenthal, cofundadora da SafeSpace.
Parte do dinheiro será destinado também para marketing e vendas, para alavancar o crescimento da empresa.
“O negócio é escalável, mas, até este momento, as vendas estavam focadas apenas nos contatos das sócias. Agora queremos fazer isso de forma mais estruturada”, diz Natalie Zarzur, outra cofundadora da SafeSpace.
Esse é o segundo aporte que a empresa recebe desde a sua criação.
Em outubro de 2020, o primeiro investimento institucional foi liderado pelo fundo Maya Capital, que como sócia Lara Lemann, a filha do bilionário Jorge Paulo Lemann. Participaram ainda outros onze investidores anjo, incluindo Ariel Lambrecht, fundador da 99, Ann Williams, COO da Creditas, Mariana Dias, CEO da Gupy, e Luciana Caletti, fundadora do antigo site de recrutamento LoveMondays, hoje integrado ao Glassdoor. O valor da rodada não foi divulgado.
Na própria pele
A empresa surgiu da experiência pessoal das fundadoras.
No Brasil, quase metade das mulheres já sofreu assédio sexual no ambiente de trabalho, segundo pesquisa realizada pelo LinkedIn em parceria com a consultoria de inovação social Think Eva — mas só uma minoria consegue denunciar a situação.
Das 414 entrevistadas no estudo, apenas 5% procuraram o RH para fazer o relato. Em 15% dos casos, a saída foi pedir demissão.
“Nós já vivemos esse problema na pele e, na época, não tivemos as ferramentas necessárias para nos manifestar. Aí que surgiu a ideia da SafeSpace. Pesquisamos o mercado e percebemos que, com tecnologia, podíamos contribuir para a solução desses casos”, afirma Zarzur.
A ideia de desenvolver a plataforma nasceu em 2019, quando Rafaela Frankenthal voltou ao Brasil despois de terminar um mestrado sobre estudos de gênero em Londres. Ela conversou com a colega Giovanna Sasso, especializada em design de produto, para desenvolver o projeto de um site para a SafeSpace e validar a demanda pela solução no mercado.
A primeira versão foi ao ar em maio de 2020, ainda em fase de testes, tempo suficiente para chamar a atenção de dois clientes pagantes.
Com dinheiro garantido, convidaram Natalie Zarzur, graduada em administração de empresas, e Claudia Farias, especialista em desenvolvimento de sistemas, ciência e tecnologia, para se juntar ao time de fundadoras. O investimento inicial das sócias foi de R$ 50 mil.
Como funciona
O objetivo da plataforma é oferecer, para os funcionários, um espaço simples e intuitivo para o registro e acompanhamento das denúncias.
Ele pode ser usado tanto por vítimas quanto por testemunhas de uma situação problemática. No caso do RH, a ideia é garantir a coleta de toda a informação necessária para uma apuração adequada dos casos.
“Identificamos que a palavra-chave nesse processo é confiança. Do lado da pessoa usuária, significa garantir a confidencialidade e um ambiente seguro. Para as empresas, dar ferramentas para que o caso seja resolvido o mais rápido possível, com agilidade e eficiência”, diz Zarzur.
A SafeSpace surgiu em meio à pandemia, exatamente quando os RHs das
companhias foram colocados contra a parede e passaram a buscar soluções para dar apoio psicológico aos colaboradores.
“Muitas empresas acabavam maquiando os problemas com mimos para os funcionários. Só que na pandemia isso deixou de ser relevante, a saúde mental dos funcionários foi totalmente deteriorada e os problemas de comportamento vieram à tona”, diz Zarzur.
Nos canais comuns de denúncias, como formulários online, hotlines e e-mails anônimos, as sócias descobriram que havia algumas falhas
“Percebemos que muitas pessoas não confiavam nos canais existentes, porque eles não garantiam o sigilo e havia o medo de perseguição. Além disso, não eram eficazes para a adequada apuração da denúncia”, afirma Zarzur.
Sob medida
“É um negócio que tem uma atração inicial já muito expressiva, crescendo dois dígitos por mês. É um caminho muito bom em um momento favorável no ambiente de ESG, que vai impulsionar esse tipo de produto”, diz Geraldo Melzer.
Atualmente, a empresa possui 50 clientes, entre eles OLX Brasil, Creditas, a seguradora Alice, a Rock Content e a Pet Lover.
A SafeSpace oferece pacotes para empresas de todos os tamanhos – e os valores variam de acordo com as ferramentas habilitadas, os níveis de hierarquia e os processos utilizados.
De forma geral, a plataforma vem com canal de escuta, chat em tempo real e painel de resolução dos casos. Na ferramenta, o denunciante pode optar pelo anonimato total, os dados são criptografados de ponta a ponta (o que impede que terceiros tenham acesso) e não é possível rastrear o IP do computador de quem fez o registro.
Em agosto deste ano, a plataforma ganhou um novo botão, que permite ao usuário registrar o relato e condicionar o envio apenas quando surgir outro contra a mesma pessoa. Quando isso acontece, as duas são encaminhadas ao mesmo tempo ao setor responsável. “Assim, a pessoa tem a certeza de que não está sozinha”, diz Zarzur.
A plataforma também permite que a pessoa acompanhe todo o processo, identificando quando seu relato foi visualizado, em que momento a empresa iniciou a investigação e qual foi a conclusão. Nos canais tradicionais, todos ficam no escuro, sem saber o que está acontecendo, e justamente num momento de fragilidade emocional.
Os responsáveis pela apuração da denúncia podem contatar quem fez o registro, por meio da plataforma, mantendo o anonimato, para fazer perguntas, tirar dúvidas e reunir todas as informações necessárias para o processo.
Na página da SafeSpace, o RH das empresas tem acesso a relatórios analíticos, que permitem identificar padrões de comportamento e áreas problemáticas. Esses dados facilitam a tomada de decisões e a atuação para evitar que o problema escale e fuja de controle.
O resultado, diz a empresa, é que, no último ano, seus clientes receberam cinco vezes mais relatos do que quando não usavam a ferramenta. Por outro lado, os relatórios também ajudaram a acelerar a resolução dos problemas. Com a plataforma, os processos duram, em média, 14 dias. “Nos canais tradicionais, esse tempo chega a 55 dias”, diz Zarzur.
Por resolução, entenda-se um acordo entre as partes envolvidas, a mudança da pessoa pra outra posição ou até uma demissão. Cada RH define suas políticas e a SafeSpace, pelo menos por ora, não tem intenção de avançar sobre essa etapa do processo.