Estão saindo do forno dois fundos de investimento inovadores para destravar capital privado para segmentos-chave na agenda de desenvolvimento sustentável brasileira e que sofrem com a escassez de recursos: a geração de biogás e a cadeia de fornecimento de bioinsumos da Amazônia.
Os dois fundos desenhados no Brasil estão entre os seis instrumentos financeiros acelerados neste ano pelo Global Innovation Lab for Climate Finance, da ONG Climate Policy Initiative (CPI).
A aceleradora foi criada em 2014, numa cooperação entre governos, organismos multilaterais e setor privado, para desenvolver instrumentos financeiros voltados para soluções climáticas em países em desenvolvimento.
No Brasil já foram dez projetos acelerados, incluindo um modelo de FIDC verde desenvolvido pela Albion Capital e que foi usado pela Órigo, de energia solar distribuída, e outro FIDC voltado a financiar a técnica de integração lavoura-pecuária-floresta no campo, gerido pela JGP. Fazem parte do Lab instituições como o BNDES, o IFC e o alemão GIZ.
Alavancando o ‘pré-sal caipira’
Das novidades deste ano, o primeiro é um fundo que oferece garantia em financiamentos para projetos de geração de biogás.
O gás produzido a partir da biodigestão de resíduos agrícolas ou de lixo é uma fonte de energia renovável e que, diferentemente da eólica e solar, não é intermitente.
Embora o segmento não seja novo no Brasil, patina para ganhar escala, em parte, porque desenvolvedores de menor porte encontram dificuldades em financiar os projetos a custos atraentes por causa da exigência de garantias de bancos públicos e privados.
A capacidade de geração existente hoje — que representa apenas 0,1% da matriz energética do país — está concentrada em projetos de grandes grupos empresariais, como a Cosan.
Foi com esse diagnóstico em mãos e a projeção de que o setor poderia substituir até 70% do consumo de diesel no país — com destaque para áreas rurais que estão fora do sistema de distribuição de energia (off grid) — que a Abiogás, associação que reúne desenvolvedores de projetos do gás, inscreveu a ideia do fundo garantidor no Lab.
O fundo foi desenhado para captar US$ 53 milhões na fase piloto e, com isso, destravar US$ 67 milhões em financiamentos para 43 projetos de usinas de biogás a partir de resíduos agrícolas. Como as garantias são rotativas, ao longo de dez anos a intenção é o instrumento alavanque quase US$ 260 milhões em financiamentos.
“O focos são desenvolvedores independentes, que não pertencem a grandes grupos e que, por isso, têm balanços mais frágeis e menor capacidade de oferecer garantias nos empréstimos”, diz Felipe Borschiver, analista no Brasil da Climate Policy Initiative, que gerencia o Lab. As garantias por projeto ficarão entre US$ 530 mil e US$ 6 milhões.
O fundo garantidor do biogás será um fundo de renda fixa que investirá exclusivamente em títulos do Tesouro brasileiro. Uma parte do dinheiro a ser levantado será de capital concessional (público, filantrópico ou de organismos multilaterais e que aceita um retorno abaixo do de mercado) e parte de investidores convencionais.
“A estimativa é que o capital concessional seja remunerado a 50% do CDI, enquanto que o retorno estimado para o capital dos investidores na fase piloto é de CDI mais 6% ao ano”, diz Borschiver.
Os desenvolvedores dos projetos pagarão ao fundo uma taxa de 2% ao ano sobre o volume das garantias.
A partir de agora, a Abiogás deverá fazer uma chamada para contratação de um gestor para o fundo, que ainda levará um tempo para ser efetivamente lançado.
Financiando a bioeconomia
Em estágio mais avançado está um fundo que pretende financiar produtores e cooperativas de ingredientes amazônicos. No caso, o projeto já nasceu com a Mauá Capital como gestora e com uma empresa âncora de peso, a Natura.
Trata-se de um fundo de direitos creditórios, ou seja, um FIDC, que vai adquirir recebíveis de fornecedores amazônicos da Natura.
A fabricante de cosméticos assumiu múltiplos papéis na estrutura financeira montada. Ela firmará contratos de off-take com os fornecedores, garantindo a compra futura dos produtos, o que permitirá a geração dos recebíveis.
Assim como no caso do fundo garantidor do biogás, haverá uma estrutura de blended finance, que mescla capital filantrópico e tradicional.
A própria Natura entrará com capital concessional para comprar as cotas subordinadas do FIDC, ou seja, aquelas que absorvem a inadimplência.
A projeção de retorno nas cotas sênior é de CDI mais 1% ao ano, mais modesta do que a do fundo garantidor do biogás.
O FIDC será acompanhado, ainda, de uma estrutura para captar recursos filantrópicos destinados a bancar o treinamento e certificação dos produtores para melhorar a qualidade e capacidade de produção, com práticas de agricultura sustentável.
O fundo pretende levantar US$ 50 milhões na fase piloto, para financiar até 34 cooperativas, que produzem 39 ingredientes diferentes na região. A própria Natura mapeou as candidatas.
A ideia é que, no futuro, grandes empresas de outros setores com fornecedores no bioma amazônico também se juntem ao fundo para financiar e capacitar suas cadeias de valor.
“Os dois instrumentos têm enorme potencial transformador para o Brasil, no sentido de assegurar cadeias de fornecimento sustentáveis e também de escalar uma nova fonte de energia que permite migrar de fontes intensivas em carbono”, diz Barbara Buchner, diretora global do Climate Policy Initiative.