
Belém – A proposta é ousada, mas começou a ser discutida nos corredores da COP30: construir um mapa do caminho para o mundo deixar os combustíveis fósseis para trás. Um grupo de países em desenvolvimento, que inclui o Brasil, quer colocar a proposta na agenda de negociações.
O tema chegou a Belém como um azarão: poucos apostavam nele, mas ganhou tração e se tornou um trending topic nos bastidores da conferência. O gatilho foram discursos do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Em duas ocasiões ele citou o assunto.
“Precisamos de mapas do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, pare e reverta o desmatamento e mobilize recursos para esses fins”, disse na abertura da COP30, nesta segunda-feira (10). Ele havia falado exatamente a mesma frase na abertura da Cúpula dos Líderes, na semana passada.
Junto com o Brasil, a Colômbia tem sido vocal e pressionado para que o tema seja pautado.
A forma como isso poderia oficialmente entrar na complexa estrutura de negociação da COP, porém, ainda não está clara. São muitas as possibilidades – assim como suas probabilidades.
A mais efetiva, e menos provável, seria incluí-la na agenda de negociações desta edição da conferência. Outra possibilidade é que o assunto fosse mencionado no documento final da conferência como parte de uma cover decision (decisão de capa).
Este instrumento processual é considerado mais fraco e que pode não ter prosseguimento em COPs futuras. Há quatro anos, na COP de Glasgow, a decisão de capa pediu que as partes “acelerassem esforços para a redução gradual do uso de carvão cujas emissões não são capturadas e o abandono gradual de subsídios ineficientes a combustíveis fósseis”. Desde então, não se tocou mais nesses temas em decisões de COPs.
Observadores apontam ainda um terceiro caminho: a criação de um programa de trabalho para discutir o assunto. Seria uma forma de driblar a forte resistência de países cujas economias são altamente dependentes de petróleo, como os árabes.
“Programas de trabalho são não-prescritivos e não-mandatórios e costumam ajudar a trazer para a mesa de conversa partes que não estão dispostas a discutir”, explica Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil.
Outro quesito que ajuda nessa tarefa é trazer elementos de “diferenciação”, termo usado no vocabulário das COPs para se referir como as responsabilidades e obrigações climáticas são distribuídas entre os países, levando em conta suas diferentes capacidades, níveis de desenvolvimento e responsabilidades históricas pelas emissões.
Como tudo começou
Os principais responsáveis pelo aquecimento global foram mencionados pela primeira vez, em mais de 30 anos de negociações climáticas, em uma decisão oficial da COP28, realizada em Dubai. O texto final da conferência falava da necessidade de uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis”.
Foi uma formulação propositalmente vaga, mas a única possível diante da exigência de consenso entre quase 200 países, o que inclui países cujas economias são altamente dependentes de petróleo, como os árabes.
Desde então, há a expectativa por algum tipo de detalhamento prático deste compromisso. Na COP29, no Azerbaijão, o tema não avançou. Uma nova tentativa foi feita na Conferência de Bonn, na Alemanha, no meio do ano, quando acontecem as conversas prévias de agenda. Mas o impasse permaneceu. Por conta disso, não era esperado que o assunto ganhasse espaço em Belém.
Contradições
Os discursos de Lula revelaram que a equipe diplomática brasileira foi mandatada para trabalhar para que haja uma discussão sobre o mapa dos fósseis. A questão, porém, não tem consenso dentro do próprio governo.
Há um embate entre os ministérios. O do Meio Ambiente é a favor e a ministra Marina Silva vem falando abertamente sobre o tema. O de Minas e Energia é contra. O Itamaraty não é contra nem a favor – até o sinal enviado por Lula, sua principal prioridade era trabalhar nas costuras diplomáticas para garantir que a COP30 consiga avançar na agenda proposta.
“Em que pesem desafios e contradições, a construção de um mapa do caminho será necessária, e o primeiro passo é o diálogo”, disse Marina Silva em um evento na COP30 na quarta-feira (12). A ministra espera ao menos começar o debate durante a conferência.
A ideia de criar um mapa do caminho foi apoiada no evento pelo presidente do Conselho de Energia, Meio Ambiente e Água da Índia, Arunabha Ghosh, e pelos representantes da Alemanha, o vice-ministro do Meio Ambiente Jochen Flasbarth, e do Reino Unido, a enviada especial para Mudança do Clima Rachel Kyte.
O Instituto Talanoa observa que o movimento de Marina repete algo que permitiu na última COP, em Baku, avançar no também polêmico tema do financiamento climático. O número de US$ 1,3 trilhão veio de um estudo do economista britânico Nicholas Stern – que esteve em diálogos com Marina.
Embora os países desenvolvidos tenham concordado em aportar apenas US$ 300 bilhões para a nova meta global de financiamento, o número de Stern entrou na declaração final como aspiração e serviu de guia para o mapa do caminho Baku-Belém.
Resistência
Há um placar de resistência ao assunto. Um negociador brasileiro estima que 75 países são contra a colocar combustíveis fósseis na mesa de negociação. Ao colocar “combustíveis fósseis com diferenciação” esse número cairia para 35, pois ganha-se a adesão de países em desenvolvimento produtores de petróleo.
O fato de o Brasil ter a presidência da COP30 o coloca, ao mesmo tempo, em uma posição privilegiada e delicada, pois, a priori, seu papel é facilitar as negociações, e não orientar a agenda de negociações. Isso torna a vida da delegação brasileira difícil, pois uma posição mais firme poderia atrapalhar o trabalho de André Corrêa do Lago.
Ana Toni, diretora-executiva da conferência, afirmou em entrevista coletiva na tarde de quinta que o assunto ainda não faz parte da agenda formal de negociações da COP30. “Precisaremos ver até que ponto essa discussão avança. Ainda não houve nenhuma proposta formal para trazê-la às negociações, mas o tema já está na agenda de ação e tenho ouvido que outros países parecem apoiar a ideia de um roteiro”, afirmou.
(Com reportagem de Clarissa Freiberger)