
Belém – O trocadilho é infame (e inevitável), mas Johan Rockström é um rockstar da ciência climática. A diferença é que o sueco não sobe em palcos para entreter ninguém. Há mais de duas décadas sua mensagem é alguma variação de: “Está ruim e, se não fizermos nada, vai piorar”.
Foi isso o que ele disse nesta segunda-feira (10), na inauguração do Planetary Science Pavillion, o primeiro estande da história das COPs dedicado exclusivamente à ciência.
“Nosso fracasso deve ser o ponto de partida em Belém”, afirmou Rockström para a pequena plateia que o espaço comportava. “Fracasso até aqui. Não cumprimos as promessas e estamos entrando na zona de perigo.”
Rockström é um dos responsáveis por popularizar o conceito dos limites planetários, nove indicadores ligados à mudança climática. Sete já foram ultrapassados, o que significa riscos graves para os ecossistemas e para a sobrevivência humana na Terra.
Ser o portador de más notícias não é um problema, disse ele ao Reset. “A ideia de que mensagens negativas paralisam as pessoas é um mito. As pesquisas mostram que ameaças despertam ação. O importante é combinar o diagnóstico com as alternativas de cura.”
Rockström é diretor do Instituto Potsdam para Pesquisas de Impacto Climático, da Alemanha, e cientista-chefe da ONG Conservação Internacional, entre outras atribuições.
Junto com o brasileiro Carlos Nobre e outras lideranças científicas e ambientais, ele integra um grupo criado para dar visibilidade aos limites do planeta.
Rockström atendeu à reportagem depois de sua apresentação, numa espécie de camarim do estande – do contrário seria impossível conversar sem interrupções dos fãs de seu trabalho.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
A quantas COPs você já foi?
Sinceramente, não contei. São muitas. Mas não vou a todas, deliberadamente. Não fui a Baku [no ano passado], porque achei que havia pouca probabilidade de resultados concretos. Mas esta COP é muito importante. Dá pra ver que o Brasil se preparou seriamente.
Perguntei porque no ano passado você foi um dos signatários de uma carta dizendo que as COPs não serviam mais ao propósito para o qual foram criadas. Apesar de o processo não andar na velocidade necessária, não há outra opção.
É uma questão muito complicada. Mas Simon Stiell [secretário-executivo da Convenção do Clima] levou a sério o apelo. Ele iniciou um processo de reforma da COP, e participo desse grupo. Existe uma discussão franca e honesta sobre o que não está funcionando e o que precisa mudar. É amplamente reconhecido que o que estamos fazendo nas COPs não está entregando resultados.
O que conseguimos foram os textos legais — e não precisamos de mais. Temos todo o arcabouço jurídico, o Acordo de Paris está definido, o [primeiro] Balanço Global do acordo foi concluído. Não é um sistema perfeito, mas não precisamos gastar mais tempo em textos.
O que precisamos agora é de transição — e responsabilizar cada país por cumprir seus compromissos legalmente vinculantes. Não bastam revisões voluntárias dos NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Precisamos de mecanismos de responsabilização e conformidade.
Temos que fazer esse sistema funcionar. E, na minha visão, a única forma é usar as COPs de maneira mais explícita, para expor publicamente se os países estão cumprindo as necessidades definidas pela ciência ou não.
Precisamos discutir seriamente se China, Índia, EUA, Alemanha ou Suécia, por exemplo, não estão cumprindo suas obrigações. Isso deve ser examinado publicamente.
Com a situação política atual, é impossível alcançar consenso global com base no que a ciência exige. É com relutância que reconheço que pequenas coalizões que avancem em várias frentes sejam talvez o melhor que conseguimos, embora arriscado e com sucesso improvável.
Como isso seria feito?
Na União Europeia, se você falha em relação à lei europeia, é multado — e caro. Não temos esse mecanismo no Acordo de Paris, mas precisamos caminhar nessa direção. As COPs passariam a focar em progresso, prestação de contas e discussão de como acelerar a entrega.
Aqui em Belém, a única discussão financeira é sobre florestas tropicais — o que é importante. Ainda mais importante seria: como financiar a eliminação do carvão?
A única maneira é basicamente comprar a infraestrutura de carvão dos países em desenvolvimento. Dizer: “Nós garantimos a vocês, quilowatt por quilowatt, energia equivalente”. Isso é negociar implementação.
Outra questão discutida é reduzir o tamanho das COPs, aproximando política, ciência, negócios e sociedade civil, em sessões menores, como as reuniões de Bonn [na Alemanha, uma pré-COP], mas transformando isso em um mecanismo formal.
Grandes encontros globais são válidos, porque chamam atenção da mídia. Mas se tornaram mais “feiras”, espetáculos. Talvez grandes COPs a cada dois ou três anos, e encontros técnicos entre elas. Isso está sendo discutido no processo de reforma.
A presidência brasileira tem se esforçado na agenda de ação e em iniciativas voluntárias, como o TFFF e a coalizão de carbono. Mas há críticos que dizem: “Isso é só conversa, não é negociado oficialmente”. É um problema?
Cientificamente, sim. O tempo acabou. O orçamento de carbono [que temos para lançar na atmosfera] acabou. Não há espaço para pequenas ações voluntárias. Precisamos reduzir as emissões globais em 5% ao ano, e atualmente estamos aumentando em 1%.
O ritmo de aumento das emissões está diminuindo, mas o aquecimento está aumentando. Isso é preocupante.
Mesmo assim, com a situação política atual, é impossível alcançar consenso global com base no que a ciência exige. Então, é com relutância que reconheço que pequenas coalizões que avancem em várias frentes sejam talvez o melhor que conseguimos, embora arriscado e com sucesso improvável.
Precisamos focar na eliminação dos combustíveis fósseis. Se a COP30 terminar apenas com compromissos no papel sobre florestas ou adaptação, considerarei um fracasso. O que importa é a fonte do problema.
Vamos ultrapassar o limite de 1,5°C, mas isso pode ser apenas temporário. Isso significa que vamos depender de remoções de carbono com novas tecnologias? Da natureza?
De ambos. Precisamos de tecnologias de remoção de carbono e de ecossistemas saudáveis, oceanos e florestas. Teremos que remover cerca de 600 bilhões de toneladas de CO2 até o fim do século, ou cerca de 10 gigatoneladas por ano.
Hoje, os oceanos absorvem 10 gigatoneladas, os ecossistemas naturais mais 10. As tecnologias precisarão absorver outras 10. É enorme, mas possível.
Alguns dizem que essas tecnologias são uma falsa solução, que o foco deveria ser cortar as emissões.
Concordo em parte — mas não há escolha. Se não escalarmos a remoção de carbono, teremos que reduzir as emissões em 10% ao ano, o que é impossível.
A ciência diz que precisamos reduzir emissões em 5% ao ano, mas eu pessoalmente diria: se até 2026 reduzirmos 1%, saindo de um aumento de 1%, depois diminuindo 2% em 2027, 3% em 2028 e 5% em 2030 — seria um sinal positivo. Mostraria o começo do fim da economia fóssil.
Dá para escalar alternativas aos fósseis. Não é mais fantasia, nem sacrifício, embora ainda seja desafiador para países dependentes de petróleo, gás e carvão.
De quanto foi a queda de emissões durante a pandemia?
Durante alguns meses, de 6% a 7%.
E o mundo praticamente parou naquela época.
E não é o que queremos. Mas [chegar a uma redução de] 5% é possível. É o limite do que entendemos ser viável hoje.
A transição custa mais caro para os países pobres, que estão endividados e pagam juros mais altos para financiar esses projetos.
Sim, mas temos mecanismos para reduzir riscos. FMI, Banco Mundial, Fundo Verde do Clima podem garantir investimentos. A maioria dos países africanos importa petróleo e gás — por que não seguir o exemplo da Etiópia, que proibiu carros a combustão e está eletrificando o país?
A energia solar é mais barata. É verdade que países com baixa classificação de crédito enfrentam juros altos, mas isso é solucionável. Gastamos US$ 4 trilhões em subsídios a combustíveis fósseis — o problema é resolvível.
Você trabalha com ciência do clima há muito tempo. Como é ser cientista hoje, com líderes como o presidente dos Estados Unidos dizendo que a mudança climática é o maior golpe já aplicado?
Tenho mais motivos do que nunca para estar nervoso. Independentemente de Trump e do negacionismo, venho à COP mais preocupado que nunca.
Quando líderes e até Bill Gates trazem argumentos antigos de que não precisamos de pressa na mitigação… Ele está errado. Há 30 anos, talvez fosse debatível. Hoje, com [a perspectiva de aumento da temperatura acima de 2°C], 2 bilhões de pessoas viverão regiões ameaçadas por calor letal. Isso ameaça todos os avanços no combate à pobreza. Todo o dinheiro que ele [Gates] investe em saúde seria desperdiçado por causa dos extremos climáticos.
Você tem que fazer as duas coisas. Pobreza e clima estão totalmente interligados. As crises atuais — escassez de água, insegurança alimentar, migração, guerras — têm raiz climática. Especialmente porque estamos numa crise tão avançada. E não é no futuro, é agora.
Mas alguns dizem que é um problema de desigualdade. Os ricos se adaptam, os pobres sofrem.
Sim, os mais pobres sofrem primeiro. E há limites para adaptação. Produtores de café no Brasil já perdem produtividade por secas e calor. Os mais pobres têm mais a ganhar com uma mitigação agressiva.
O maior erro é achar que países ricos devem reduzir primeiro e os pobres depois (“contraction and convergence”). Isso é absurdo. Economias baseadas em carvão são perdedoras. Por que dizer à África: “fiquem para trás”?
Como comunicar a gravidade da situação sem gerar desesperança e ou deixar as pessoas paralisadas pela sensação de impotência?
A ideia de que mensagens negativas paralisam as pessoas é um mito. Pesquisas mostram que ameaças despertam ação — adrenalina. O importante é combinar diagnóstico com cura. Como um médico: se você tem câncer, precisa saber — mas também ouvir que há tratamento.
Estamos em um ponto crítico, mas temos soluções. Devemos comunicar mais, não menos. A maioria das pessoas nem sabe o que significa 1,5°C.
Devemos dizer a verdade sobre os riscos, e ao mesmo tempo mostrar o que pode ser feito. Se mostrarmos reduções concretas, mesmo pequenas, isso restaurará a confiança e inspirará ação.